Mangá² #313 – O Paradoxo de Mangás Históricos

Sejam bem-vindos ao episódio 313 do Mangá², o podcast semanal de mangás mais histórico do mundo


Neste programa, Judeu AteuEstranho e Izzo (Dentro da Chaminé) conversam sobre onde deveria ficar a linha das verdades e mentiras dos Mangás Históricos. Existe alguma responsabilidade social na formação educacional de mangás ficticios, mas que se baseiam numa realidade histórica? Quais são as consequências no enredo de vender uma história como baseada em fatos reais? Muitas perguntas e muitas respostas nesse episódio, mais interessante do que pode parecer.

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Cronologia do episódio
(00:20) O Paradoxo de Mangás Históricos
(1:01:10) Recomendação da Semana – Usuzumi no Hate

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4 comentários

  1. É um gênero de historias bem proeminente em manga, só de pegar manga de samurai razoavelmente baseado em eventos reais já vai uma quantidade absurda de manga.
    Pra mim o principal apelo desse tipo de historia é a ideia de vc ser uma mosquinha ali na parede vendo o evento super conhecido acontecer; Lembro de ler o Vagabond e quando chega na parte que ele vai enfrentar os 70 samurais eu estava incrédulo que estava acontecendo mesmo e o manga vai mostrando os processos daquilo acontecer, as estratégias de combate, o cansaço do Musashi etc, que quando chega no final o manga te convence do valor narrativo daquele acontecimento (mesmo que possivelmente não tenha acontecido daquele jeito na vida real).

    O meu filme favorito O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford tem um dos usos mais interessantes da veracidade histórica pq ele é um dos filmes mais historicamente precisos que tem (em relação com o que é documentado) mas o objetivo narrativo do filme é mostrar a ambiguidade e melancolia na vida do pistoleiro mais famoso do velho oeste. Na cena da morte do jesse james vc não consegue ter 100% de certeza se ele deu a arma no dia anterior ao robert ford pq ele queria ser morto ou se foi so um momento de descuido por causa do estado mental decadente do jesse james, esse é um dos acontecimentos mais bem documentados do Velho Oeste mas o filme consegue criar um panorama psicológico tão complexo para os personagens que vc não consegue ter uma historia preto no branco mesmo tento toda a precisão histórica possível.

  2. Só consegui ouvir o programa hoje mas tenho algo que pode ser interessante pra acrescentar e penso bastante a respeito…

    Sobre isso de “a ficção histórica mudando a visão real pro público” me lembra o caso do Romance dos Três Reinos, que vocês já devem ter ouvido falar, mas é uma versão dramatizada dos eventos da “Guerra dos Três Reinos”, que rolou na China, alguns séculos depois dos eventos que Kingdom retrata e… ele tem uma adaptação famosíssima pra mangá, que é o “Sangokushi”, do Yokoyama Mitsuteru, que é bem fiel ao material original, apesar de adicionar alguns pequenos detalhes da versão do Yoshikawa Eiji, publicada no Japão no final dos anos 30, que serviu de base pra ele de certa forma.

    Não pretendo me extender muito no comentário, mas o resumo da ópera é que o livro, e por consequência esse mangá, apesar de seguir, em linhas gerais, uns 80% fielmente os eventos históricos reais (ou o que se sabe deles, pelo menos), dá uma exagerada foda em vários personagens e eventos, tornando vários deles figuras bem “larger than life”. Existem dezenas de exemplos, mas dois dos mais gritantes pra mim são o Lu Bu e o Zhuge Liang (frequentemente chamado simplesmente de “Kongming”). O Lu Bu sempre é retratado na ficção como um guerreiro fodão pra caralho e tudo mais, mas os registros históricos reais mostram que ele nem era um combatente tão habilidoso assim, e que ele era bom com arco e flecha, coisa que não costuma ser muito mostrada no romance.

    E o Kongming é retratado como um estrategista absurdamente genial, e vários desses estratagemas geniais viraram algumas das cenas mais famosas da história e chegaram a ganhar até mesmo esculturas e pinturas famosas em templos e etc espalhados, não só na China, mas por toda a Ásia, e incluindo até mesmo templos dedicados à figura do próprio Kongming, como se ele fosse uma espécie de “santo” a ser venerado por fiéis. PORÉM, nos registros históricos, não constam esses estratagemas, então conclui-se que foram invenção do romance e são apenas eventos fictícios, mas foram tão espalhados como conhecimento popular ao longo de séculos que essa história (a obra literária, no caso, não os eventos reais) existe por aí que acabou se tornando “a nova verdade” pra muito do senso comum. Ao que se sabe, o Kongming da vida real era sim um bom estrategista, mas não era tão genial quanto o livro o retrata… mas mais do que um bom estrategista, ele era um bom administrador político, tanto que ele meio que foi o principal “sucessor” do Liu Bei, a quem servia, após a morte dele pra guiar o reino de Shu, já que seu filho, o herdeiro legítimo, era extremamente incompetente pra isso, mesmo que Kongming não fosse o governador de fato.

    Mas é aquilo, né… o Romance dos Três Reinos foi escrito e espalhado há uns 500 anos atrás, e na época não era exatamente fácil fazer esse fact-checking que podemos fazer hoje com um smartphone na mão, então foi um caso onde a ficção acabou realmente “moldando” a percepção do público geral sobre a história, mesmo que os eventos reais tenham sido outros ou não se saiba exatamente como rolaram, e assim muita gente tomou esses eventos como fatos. É por isso que acho importante que hajam aqueles avisos tipo “isso é uma obra de ficção e não deve ser levada como material histórico documental” ou algo assim no caso de obras com ambientação histórica desse tipo. Acho que Golden Kamuy mesmo deve ter tido um aviso desses em algum lugar, pelo que lembro quando li. (inclusive, excelente mangá. Acho o trabalho de pesquisa histórica do autor fantástico. Claro que devemos tomar aquilo como ficção, mas acho muito legal que houve um real cuidado de tentar retratar aquilo de forma “fiel” à história real, mas ainda assim não deixando que essa fidelidade interferisse na história que o autor queria contar de fato)

    Falei que não pretendia me extender muito e acabei me extendendo… Enfim, acho que era isso por enquanto! Adorei o tema e me deram vontade de dar finalmente uma conferida em Vinland Saga, que enrolo há bastante tempo pra ler. Mangás históricos sobre coisas que não sejam Sengoku Jidai (que é um assunto que eu até gosto de ler sobre, mas confesso que já tô meio saturado de TANTO que eu já consumi sobre) é uma isca que eu mordo fácil.

    • Ok, só complementando com um detalhe que esqueci de mencionar, mas ainda dentro do “estrago” que o Romance dos Três Reinos causou na percepção popular dessas figuras desse período específico e reforçando o tópico.

      Há nessa história o Guan Yu, que é um dos irmãos de juramento do Liu Bei (que meio que é retratado como o “protagonista”, entre várias aspas) e um de seus mais poderosos generais militares, e ele é sempre retratado como um guerreiro extremamente honrado e muito poderoso e corajoso. Apesar de nos registros históricos constar que ele de fato era bem poderoso e “justo” com aqueles à sua volta, ele ainda é um dos personagens mais engrandecidos e glorificados no livro, e acabou se tornando uma espécie de “símbolo” de força e coragem não só no imaginário chinês, mas por toda a Ásia, Japão incluso, tanto que não é raro vermos personagens inspirados no Guan Yu em mangás/animes/jogos/etc por aí, ou até ele próprio aparecendo quando querem fazer referência a guerreiros chineses ou guerreiros poderosos num geral.

      A fama do cara foi tamanha que ele passou a ser considerado como uma espécie de “divindade”, apesar de que existem registros dessa idolatria à figura do Guan Yu que são anteriores à publicação do Romance dos Três Reinos, mas com o livro, a coisa escalou TANTO que hoje em dia ele é visto até mesmo como um bodhisattva pra algumas correntes do budismo pela China, e no Taoísmo também, entre outras religiões. Pela Ásia inteira existem templos dedicados a ele, tal qual existem pro Kongming, e no Japão tem um desses em Yokohama. Hoje em dia tem até mesmo também, na China, uma estátua gigantesca dele com quase 60 metros de altura que foi inaugurada há nem uma década direito.

      Então, realmente, acho que esse é um caso bem relevante de como uma obra de ficção histórica pode influenciar a realidade e a percepção geral das pessoas sobre essas figuras. O caso do Guan Yu eu acho ainda mais relevante pra discussão porque esse efeito dominó foi rolando por séculos até chegar nos mangás em algum momento.

  3. Eu super concordo com a conclusão final de vocês, o “faz o que você quiser” como disse o Judeu, que normalmente eu formulo como “é bom quando é bom e é ruim quando é ruim”. Eu acho que se Vinland Saga quisesse fazer um final utópico onde reina a harmonia entre os povos, eu consigo ver isso sendo bem conduzido, e ser um momento catártico bonito, mais ou menos como Bastardos Inglórios. Mas se ele quiser fazer um mundo onde a guerra continua, eu acho que é uma decisão justa também, a partir do momento que você faz direito. Acho que o Yukimura tem sido muito bom em fazer o pacifismo do Thorfinn ser duro, fazer os obstáculos a ele parecerem reais, não ser um troço doomerista de forma reflexiva. O segredo é ser bom autor.

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