Mangá² #262 – Você, mangás e política

Sejam bem-vindos ao episódio 262 do Mangá², o podcast semanal de mangás mais lacrador de todos.


Neste programa, Judeu AteuEstranho, Luki, Leleo (Leleologia) e Izzo (Dentro da Chaminé), comentam bem amplamente sobre como mudanças políticas e a nossa politização pessoal afeta a forma com que lemos mangás. Como é possível alguém ler One Piece e ser a favor de autoritarismo? É justo julgar alguém por esses parâmetros? Onde está a linha entre aquilo que consideramos político e arte? Um podcast em que absolutamente nenhuma dessas perguntas são respondidas, mas pelo menos a gente bateu um papo sobre.

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Cronologia do episódio
(00:20) Você, mangás e política
(51:00) Leitura de e-mails
(1:07:00) Recomendação da Semana: Sousou no Freiren

Download (CLIQUE COM O BOTÃO DIREITO DO MOUSE E ESCOLHA A OPÇÃO “SALVAR DESTINO COMO…” OU “SALVAR LINK COMO…”)

23 comentários

  1. Sobre o caso de Nanatsu no Taizai, eu considero da seguinte forma:

    As pessoas tem diferentes graus de senso crítico (e isso também depende do quão compromissadas elas estão no momento), algumas são exigentes outras não.

    Uma obra pode ter algum problema de roteiro, arte, ou posicionamento político duvidoso (concordo com o Leonardo, tem posicionamentos tão radicais e estúpidos que ousaria dizer que são ruins até objetivamente), mas se a mesma tem outras qualidades ou se compatível com os gostos específicos do leitor a experiência negativa vai ser “compensada”, e nem todos vão conseguir se lembrar do gostinho amargo da ótima sobremesa.

    Porém se a obra é ruim em todos os outros aspectos, e de quebra problemática, não vai haver nenhuma “distração” ou “compensação” que a salve e esconda os problemas.

    Resumindo, é mais fácil enxergar os problemas de algo que já esteja incomodando, por isso a importância de discussões que possam destrinchar as obras por inteiro por diferentes pontos de vista.

  2. Feedback da leitura de emails sobre os desenhos:
    – She-ra eu acho competente, tem bons personagens e conseguiu ter um final relativamente honesto.

    – Steven Universe Future eu comecei meio triste porque o filme e final da temporada anterior, mas eu discordo que tenha sido só um epílogo como o Judeu disse, ele apresenta um arco pro protagonista diretamente relacionado com a aparente “perfeição” dele. Sinto que muita gente não deu muita chance pelo final divisivo da 5ª temporada, e por voltar a ser mais slice of life.
    Não diria que se saiu pior que a 1ª temporada, por exemplo.

    – Young Justice eu gostava muito da 1ª temporada que terminou com alguns deslizes de roteiro, mas é a minha favorita. A 2ª desgostei um pouco menos pelo tamanho do cast e final rushado,
    A 3ª eu gostei no geral mas deu uma decaída na animação e tenho minhas ressalvas com a tendência querer meter referências e personagens sem se importar se vai ficar convoluto ou bem explicado.

    – O mais importante de tudo, por que o Estranho ainda não viu Avatar Last Airbender? Tá lá na Netflix ainda.

    • Pra ser honesto, achei a 3ª temporada de Young Justice mais fraca que Shera e Steven Universe Future também, quanto mais foi aparecendo elementos de “megalomania quadrinho de herói” no meio mais fui perdendo o interesse, perdeu o charme da simplicidade da 1ª temporada, fica aí o hot take.

      Um desenho relativamente novo que recomendo seria Infinity Train (as duas temporadas), tem conceitos interessantes, personagens carismáticos, além de ser bem curtinho.

  3. Eu concordo que toda arte é politica, porem essa politica é apresentada em graus diferentes de obra para obra, existem obras que, mais explicitamente, debatem ideologias e filosofias politicas, já outras, bem menos.

    Eu, por uma predileção pessoal, gosto de analisar obras por uma faceta Psicológico-Simbólica, mas se a obra toca em politica de maneira intencional, eu tendo a analisá-la por uma faceta Sociopolítica, mas não debatê-la (ao menos mais recentemente), pois muitas pessoas tendem a projetar nas obras seus vieses, a ponto de transformá-las em manifestos políticos, vide os casos recentes de The Last of Us 2, Capitã Marvel, Pantera Negra, onde, se você defende a ideologia “X”, a obra deve receber 10/10, já se você não gosta da ideologia “X” tem que dar 0/10, e qualquer opinião mediana acerca dessas obras você já é rotulado como um “ISTA” e “SJW” maldito pelos dois lados. Eu não tenho paciência para isso.

    Outro aspecto que me cerca em debates são as percepções/interpretações politicas a respeito de uma obra. Cada pessoa, como eu disse antes, vai projetar na obra seus vieses para buscar uma identificação/validação mais explicita para si mesmo e isso leva a certas opiniões fortes acerca, não só de uma obra per se, mais também de quem as leem.

    “Como pode você gostar de Naruto e ser de direita, você claramente não entendeu a obra, seu ignorante.”

    Ao mesmo tempo em que a obra coloca seu protagonista sendo e lutando pelos oprimidos na representação de sua sociedade, ela apresenta seu protagonista lutando contra um grupo terrorista que quer utilizar alguns desses oprimidos apenas como ferramentas para seus objetivos.

    Ao mesmo tempo em que o protagonista deve unir todas as nações para trabalharem juntas pelo “Bem Maior”, pois a “União faz a Força”, ele, o protagonista, deve lutar contra antagonistas “Revolucionários” que querem destruir sua nação e a filosofia de seus fundadores, assim preservando a “Vontade do Fogo” que o guiou na obra inteira.

    Com o exemplo de Naruto, quem tem um viés “Canhoto” vai se identificar, e quem tem o viés “Destro”, também. Sempre existirão obras mais inclinadas para um lado ou outro, mas as pessoas sempre buscarão reafirmar seus posicionamentos.

    Perguntou um tolo.
    “Como pode você ler X-Men e não apoiar os ANTIFAS?”
    Outro tolo respondeu.
    “Pois eu vejo os ANTIFAS mais como a Irmandade dos Mutantes, do que os X-Men per se.”

    No fim, a mensagem que o podcast passa são duas:
    Sempre pense no que você tá consumindo no quesito arte e #SomosTodosHipócritas.

  4. Ficou meio grande isso aqui, talvez ficasse melhor no email, mas eu vou deixar aqui mesmo porque vai que alguém mais acha interessante.

    Tem um momento que o Leonardo e o Luki conversam sobre se é hipócrita ou não “aplicar a sua linha nos outros”, e o Leonardo parece resistir a isso porque seria uma coisa super subjetiva, e o Luki fala que é subjetivo mesmo e isso não tem jeito. Acho que se você acredita que leis podem ser injustas (que acho que todo mundo sensato acredita) e se você não é devoto a alguma religião (aí vai de cada um), a conclusão do Luki é meio inescapável. As nossas posições sobre o mundo são construções sociais. Elas surgem a partir das nossas experiências, das nossas reflexões sobre o mundo, das coisas que a gente lê e escuta de outras pessoas, e não tem um gabarito sobrehumano, fora da experiência humana, que a gente pode usar pra checar se a gente tava certo. E isso não precisa significar que a gente levanta as mãos e deixa um serial killer fazer o que ele quiser porque na cabeça dele é certo, claro que não. A gente vai impor a nossa linha nos outros sim, porque a gente acha que a nossa tá certa. É isso, e basicamente só isso, que significa política. A gente tenta convencer outras pessoas que a gente tá certo e o oposto está errado, e quando a gente convence pessoas o bastante a gente ganha poder e faz o certo. Não tem como a gente apontar para uma fonte de conhecimento intocada pela subjetividade humana e falar “olha só, tá vendo ali, a Fonte do Conhecimento tá dizendo que o Bolsa Família é bom”, a gente tem que convencer as pessoas que é bom. Aí a gente usa argumentos que ajuda as pessoas a comer, diminui o trabalho infantil, ajuda mulheres a não dependerem financeiramente de maridos abusadores, etc. Tem gente que é convencida, ótimo. Tem gente que diz “ah eu acho que pobre é pra passar fome mesmo, criança tem que trabalhar sim”. Aí a gente derrota essas pessoas e impõe a nossa perspectiva. Não tem outra coisa.

    Sobre o lado da conversa mais diretamente sobre arte, também não concordo muito com a oposição entre “arte panfletária” ruim e “arte sutil” boa. Pra ficar no exemplo de One Piece, que eu acho realmente bem útil, acho que todo mundo overall gosta do jeito que o mangá é anti-autoritário. Luffy derrubando o Arlong Park que é símbolo de opressão pra vila da Nami, Luffy queimando a bandeira do governo mundial genocida e comprando briga com eles, Luffy esmurrando a realeza escravocrata dos Tenryuubito, isso tudo é bem feito. Bem, também é panfletário pra caralho. Não tem sutileza, não tem um lado oposto argumentado por um personagem com tons de cinza, é tudo um grande grito “esse mangá é anti-autoritário krl”. E funciona, porque é bem feito. Não só em nível “menos político” de ser bem quadrinizado, ter um contraste visual bacana, mas em nível de expressar bem a mensagem. Em cada uma dessas instâncias o Luffy é movido por uma fúria que me contamina enquanto leitor, porque o Oda mostrou histórias reconhecivelmente humanas de personagens sofrendo com esses sistemas, ele fez uma narrativa emocionalmente crível em que a gente investe. Ecoando aqui o parágrafo anterior, mas eu acho que o nosso vocabulário sobre arte acaba sendo desenvolvido pra falar de sutileza como uma coisa que é “objetivamente” boa, é um marco de qualidade que sobrepõe a nossa opinião pessoal. E não é. Tem obras que não são sutis e são boas. Vinland Saga é panfletariamente pacifista. Kakukaku Shikajika é escancaradamente sobre apreciar as pessoas que são importantes pra gente enquanto há tempo, tão escancaradamente sobre isso quanto Click do Adam Sandler. Kakukaku é melhor que Click não por ser mais sutil, mas por expressar isso melhor. Eu não sei se tenho o vocabulário e a argumentação pra descrever isso com termos mais analiticamente úteis que “melhor”, mas eu sei que “sutil” não é um termo apropriado nesse caso.

    • Eu sou do tipo que entende que construtos sociais e arte são subjetivos… porém quando alguém fala que não há nada de objevtivo nessas coisas eu tendo a discordar. Em arte porque os artistas estudam coisas que são relacionadas à percepções biológicas, como teoria da cor, composição, contraste, etc e seus efeitos e reações que provocam nas pessoas; como a cor amarela instigar fome ou um contraste muito gritante causar desconforto nos olhos, que pode ser usado intencionalmente nas artes para conversar com os que a apreciam.

      Quanto a relações humanas, eu sinto que radicalismo de posicionamentos que tenha como base tratar mal pessoas diferentes sem muita reflexão de empatia é – usando como critério o funcionamento igualitário de uma sociedade ao menos – uma coisa negativa para a humanidade como um todo. Super subjetivo com certeza, é o relacionamento pessoal de humanos com humanos do ponto de vista macro, mas deve haver alguma porcentagem objetiva factual sobre qual filosofia social é mais eficiente em agradar a maioria. Se parar pra pensar, mesmo a ciência e matemática é baseada em padrões determinados subjetivamente por várias pessoas, e por não haver desvios desse padrão e apesar de nossas perspectivas elusivas e pessoais do mundo, presume-se que haja alguma verdade até provado o contrário.

      É complexo, mas o que quero dizer é que subjetivamente acredito que deve haver algum grau obscuro de objetividade, que varia dependendo do assunto e em qual contexto ele se refere.

      Quanto a usarem uma linha pra julgar a outra, eu sinto que há uma certa hipocrisia na lógica de “como pode gostar de X se você é contra Y”, realmente.
      Sinto que a pergunta que usaram no cast está incompleta, a versão mais coerente dessa pergunta é “como você pode num momento elogiar X por tratar o tema Y, se na vida real você é contra Y nessa outra circunstância?”.

      Essa frase ironicamente tem como objetivo expor a hipocrisia da pessoa que aprecia histórias por algum tema (respeito a pessoa diferente) mas que não põe em prática na realidade (é racista), mas só a 2 versão da pergunta ataca especificamente a hipocrisia, enquanto na primeira ela ignora que é possível a pessoa gostar de uma obra por outros motivos.

      É possível uma pessoa racista gostar de One Piece pelas lutinhas e arte, ao mesmo tempo em que não presta muita atenção pro subtexto da crítica contra racismo. Agora, se essa mesma pessoa elogia One Piece por fazer ele empatizar pelos tritões que sofrem preconceito, mas em dado momento o mesmo é racista no twitter sem se dar conta, é válido apontar a hipocrisia sem… ser hipócrita (XD),

      • Não vou fingir que estudei muito sobre teoria das cores e etc, mas eu sei que existe um pouco de controvérsia acadêmica sobre o quão “puramente” biológico é a percepção das cores. Tem um aspecto sociocultural aí. Esse artigo descreve um pouco desses argumentos e critica alguns estudos que defendem o argumento biológico, não vou resumir mal aqui mas achei uma leitura interessante: http://www.sonic.net/~cr2/colors.htm

        Sobre o segundo parágrafo, a coisa é que o critério do funcionamento igualitário de uma sociedade também é construído socialmente. Eu nem acho que seja um critério necessariamente ruim, mas como todo outro, a base fundamental dele é uma cultura e um sistema que o ensine. Eu acho que, sei lá, colonialismo é errado, em grande parte porque eu cresci numa sociedade onde esse é um pensamento que pode ser construído facilmente. Se eu fosse um português que nasceu no século 16 isso seria um tanto mais improvável, porque a cultura deles não ensinava isso. Eu acho que a visão que eu tenho é melhor, porque é mais benéfica pra mais gente (o que ainda é bem complicado porque os colonos achavam que expandir a cristandade era o melhor pros índios, mas isso são outros quinhentos), mas *o fato de ser benéfico pro máximo de gente ser meu objetivo* não faz disso *objetivamente* melhor. É melhor, com certeza, mas necessariamente melhor de forma subjetiva.

        E eu imagino que cê saiba, mas “uma porcentagem objetiva factual sobre qual filosofia social é mais eficiente em agradar a maioria” não tem embutida uma maneira de defender direitos de minorias. A maioria cishétero por muito tempo aprovou a falta de qualquer direitos civis para pessoas LGBT, a maioria branca apoiava a escravidão. Essas coisas são inaceitáveis pra mim. É possível emendar sua frase com “ah mas o agrado da maioria não pode resultar em perdas de direito da minoria”, mas tem outras “minorias” que tem direitos que eu quero sim removidos, como, sei lá, o direito de gente antivacina de não se vacinar. Então a gente se afasta ainda mais de uma regra supostamente “objetiva”. Eu ainda tenho bons motivos pra acreditar em todas essas coisas, ainda posso defender com firmeza minha ideia que a sociedade seria muito melhor do jeito que eu penso, mas não tem uma coisa “objetiva” em que eu posso me apoiar. Eu preciso apelar pra argumentos que possam mover pessoas que compartilham certas impressões de mundo comigo por viverem no mesmo mundo socialmente construído que eu.

        • A teoria da cor quanto a “roxo significa riqueza, vermelho simboliza o sangue” de fato não tem base biológica e sim cultural, mas quanto a composição e orientação dos olhos de quem visualiza eu acredito que é mais biológico, assim como o agrado da proporção de luminosidade e contraste.

          É uma linha tênue, por exemplo, formas pontiagudas transmitem a sensação de energia, perigo, etc; se isso tem a ver com instinto ou com as pessoas aprenderem que coisas afiadas tendem a ser pontiagudas, aí não saberia dizer, mas acho que é o mais próximo de um objetivismo com base numa reação entre humano e ambiente que podemos chegar.

          Não sei se faz algum sentido, mas tendo olhar por uma perspectiva objetiva estatística com margem de erro baseado… num conjunto de interpretações subjetivas que estão em constante feedback? Talvez eu esteja falando merda e distorcendo o significado do termo objetividade, talvez o que eu procure seja o “sucesso” ou “consenso predominante” que se prove uma “verdade objetiva” a respeito do confronto de uma “obra subjetiva” vs “determinada percepção pública subjetiva”, mas eu gosto de conversar sobre essas coisas, no mínimo é interessante.

          Não sei dizer, é muito complexo, muitas variáveis, por isso concordo que o subjetivismo na arte é no mínimo o fator predominante.

        • Sobre o 2º parágrafo, acho que se o critério for “é melhor pra todos, respeitando a liberdade de cada um sem necessariamente desrespeitar a liberdade do outro”, que ao menos ao meu ver é o que se enquadra como o melhor cenário possível em um nível geral, acho que pode haver verdades mais acuradas que outras.

          Objetivismo são fatos, olhando culturas de uma forma fria e macro, levando em conta contexto e infinitas outras variáveis complexas dentro do comportamento humano baseado em seu íntimo biológico, usando teoria dos jogos, etc etc etc… consigo ver algumas verdades mais verdadeiras que outras em relação a determinada função.

          Mas enfim, espero não estar falando muita besteira, só estou dando continuidade a isso pra eu refletir mesmo.

        • Esqueci de comentar, mas eu não quis dizer “agradar a maioria”nesse sentido de democracia falha.

          Porque uma minoria ser MUITO penalizada quanto já há diferenças no grau de satisfação e tratamento seria configurado como uma injustiça e desequilíbrio, a maioria desconsiderando o que mencionei sobre fazer o que “é melhor pra todos, respeitando a liberdade de cada um sem necessariamente desrespeitar a liberdade do outro” seria o equivalente a dizer que ela votou na pessoa errada baseado em ignorância ou egoísmo.

          Muita gente vota nas pessoas erradas por motivos completamente alheios ao sentido de “vai ser o melhor pra maioria” ou “vai consertar o que estava errado”. É minha tentativa vã de “matematizar” as coisas que acontecem em quantidade e grau, eu tento. XD

          • Eu to mt feliz com esse ep! A discussão foi mt além do convencional, ultrapassou até mesmo o tópico da política, abordando vários pontos que falam sobre valores, hipocrisia e a reprodução sistemática de preconceitos e ideias de ódio dentro da própria militância.
            Acho que tirei dois pontos como principais dessa discussão, apesar de ter achado todos muito relevantes e instigantes. Sim, todo mangá, assim como tudo no mundo da arte (e no mundo em geral também) tem política no momento em que a obra está sendo criada segundo os valores e convicções de alguém que quer dizer algo segundo o seu ponto de visto. Claro, grande parte dos mangás utilizam o elemento mais politizável apenas pra preencher um espaço, seja do vilão, do sistema, etc; muito mais como um pano de fundo quase inconsciente de si mesmo, mas ainda há outros que se propõe a abordar esses temas a fundo também. O importante é entender que, nos dois casos, a discussão existe e deve ser fomentada.

            O outro ponto, e provavelmente o que mais ressoa comigo, é o de consumir obras que retratem coisas inadmissíveis hoje em dia. Venho lendo, ouvindo e discutindo internamente muito sobre isso, e fico feliz de ter chegado à essa mesma conclusão de que, mais importante do que cancelar uma obra, é conhecer os seus problemas, apontá-los e discutí-los, até porque 90% da comunidade otaku JÁ É conservadora, racista, machista e heteronormativa. Simplismente deixar essas pessoas se apropriarem desses conteúdos pode ser até mais prejudicial a longo prazo para o nosso meio.
            Eu, como homem gay e militante da esquerda (apesar de que hoje to mais pra simpatizante kk), tenho como meu anime favorito a série Monogatari, que é lotada de lollis, incesto, assédio e que tem um protagonista tão desprezível quanto admirável. Ainda assim, a obra é genial como uma história sobre personagens complexos e plots intricadíssimos, num universo cheio de simbolismos, além de todo o triunfo estilístico que ela consegue obter. E eu não vou negar os pontos altos pelos baixos, nem vice-versa.
            Já deixo aqui como sugestão pra um outro episódio uma discussão sobre uma característica tão distinta no meio otaku, que é nossa capacidade de dissociar completamente fantasia da realidade ao consumirmos conteúdos problemáticos (the ethics of moe). Vocês tocaram no assunto, mas eu acho que esse tema daria um episódio inteiro fácil, ao ser relacionado às origens da subcultura otaku no japão pós-guerra (e tem muito material sobre, apesar de eu não ter dedicado a energia becessária a eles ainda haha).

            E é isso. Muito obrigado por mais um episódio sensacional. É o meu segundo, mas nem parece que caí de paraquedas aqui num negócio que já rolando a uma década! Parabéns e Izzo você é muito engraçado kkkkkk

    • eu ia tocar nesse ponto de panfletário vs arte, mas fiquei com preguiça, obrigado por tocar no assunto.

      Acho que muito da discussão fica meio perdida a depender de nossa própria visão de leitores.
      A questão de panfletário vs arte eu, particularmente, enxergo meio como alguém citou na gravação: existem conceitos que são amplamente aceitos como ok defender e outros conceitos, mais específicos, que não. e, igual tu falou, é tudo subjetivo, não tem como fugir disso. a concepção de bom e ruim, por si só, já é amplamente discutível. dito tudo isso, onepiece advogar um anti autoritarismo, para mim, não é planetário pq é um conceito tão amplo que acaba abarcando, se for pra manter o espectro político cotidiano, tanto esquerda quanto direita. tem gente do lado esquerdo dessa linha que vai defender com unhas e dentes a liberdade completa do ser humano, e tem gente do lado direito dessa mesma linha que vai defender exatamente a mesma coisa. então, eu não acredito que uma parada tão vaga quanto “antiautoritaria” e que pode ser apropriada tanto por um espectro político quanto por outro é um critério tão forte pra rotular algo de panfletário. panfletos políticos normalmentr não são tão vagos assim, arte panfletário muito menos. a arte começa a soar panfletária quando conceitos que podem ser colocados na esteira política de forma positiva começam a aparecer. pra pegar um exemplo bem claro disso, os filmes alemães da época do nazismo eram produzidos com uma narrativa bem clara e que tinha um ponto de oposição bem visível na esteira política daquela época. a mesma coisa serve para as obras socialistas na união soviética que vendiam o partido para o público. pra não do grande números de escritores que escolhiam criar uma história só para corroborar sua visão política. de anarquistas a liberais. no meu ponto de vista é aí que algo começa a ser visto como panfletário, quando uma obra de arte começa a defender pontos que não podem ser defendido por ambos os espectros politicos.
      mas não acredito que obra panfletária seja necessariamente ruim, já li coisas muito boas claramente panfletarias. pra ficar num exemplo tupiniquim, Jorge amado é o famoso capitães de areia é um livro claramente com um viés socialista comunista com algumas das crianças recitando o manifesto, mas ainda assim é uma obra muito boa como arte mesmo. enfim, meus trocados acervo do assunto.
      vlws, abrço

  5. essa parada é foda. fiz um trabalho sobre a obra que eu aprecio muito como produção artística, de um autor, Celine, que eu odeio. a obra é fantástica, esteticamente, construção de narrativa, muito revolucionário para o seu tempo. MAS o autor foi um nazista ativo durante o período da segunda guerra mundial. eu não sabia nada sobre o autor quando li pela primeira vez a obra mas depois fui atrás e, mano, perdi muito o prazer de ler as obras dele e ficava procurando elementos nazista em tudo. tive muita dificuldade de efetivamente produzir algo sobre, mas, no fim, acabou saindo. enfim, essa parada de que, querendo ou não, a produção de uma obra passa muito pela época e pela posição política do autor é bem complexa. eu não tenho dúvida quanto a repulsa que sinto ao pensamento do autor, mas a obra é tão boa que, não sei se consciente ou insconscienteme, eu consigo aproveitar muito tanto esteticamente quanto narrativamente. e meio que fico meio pra baixo por isso hajajaja

    nada a ver com o podcast, mas adorei ojudeu hitando no twitter essa semana hajaja

    • É como o caso do Lovecraft, ele era beeem racista, mas é inegável que ele trabalhe bem quando se trata de terrores cósmicos.
      Ou o Watsuki, criador de Rurouni Kenshin, gosto do mangá, mas ele pisou na bola feio com a polêmica de pedofilia.

      As obras do Lovecraft podem ser criticadas por terem trechos que mostram etnias de forma desrespeitosa, mas não sinto que Rurouni Kenshin reflita alguma mensagem pró-pedofilia, ao menos pelo que eu lembro.

      No final das contas, se uma obra tem X e Y, as pessoas podem gostar de algo por X e relevarem/ não prestarem atenção/ não serem diretamente afetadas por Y, agora se é por razões boas ou ruins, varia de caso a caso.

  6. Nossa cara, eu fui ler Sousou no Freiren antes de ouvir ao podcast para ter uma impressão meio que puramente pessoal, eu chorei lendo, nunca pensei que sentiria na pele o quanto que é dificil dizer adeus a pessoas com muito valor e possuem uma forte laço de amizade, bom, eu pessoalmente consegui entrar facilmente no lugar da Freiren, esse pós fim de jornada que o autor(a) passou, a importância de dizer adeus a quem nos é importante para seguir em frente e a fintude das relações, a obra me prendeu facil. Obrigado por terem recomendado esse mangá.

  7. Muito bom o episodio me fez refletir sobre varias coisas

    E eu acharia interessante um episodio com convidados negros falando sobre como os negros são retratados em mangás

  8. Sobre a questão do Shingeki no Kyojin que foi comentada no episódio, me choca perceber que as pessoas escolhem um lado no conflito entre os dois povos como se um deles estivesse certo. Acho até que é a intenção do autor, mas não acredito que essa lógica se aplique tão facilmente. Os dois lados representam governos extremamente autoritários. Analisando por esse viés, todos estão errados. Nesse sentido, acredito que a guerra retradada no mangá deve ser enxergada (sem prejuízo da opinião de que regimes autoritários são abomináveis, via de regra) como a maior parte das guerras ocorridas na história da humanidade: duas potências guerreando em busca da satisfação dos seus próprios interesses. Não que isso torne o mangá menos ruim, mas… kkkkkk

    Também me espantam as pessoas que não enxergam que a política é a questão central do mangá, ou mesmo que não percebem a existência de trechos claramente políticos. Pensar assim requer uma alienação política e histórica quase inacreditável…

  9. Problema dessa discussão com os exemplos dados no cast pra mim é…
    “Mas One Piece também tem partes que você reprova e você continua lendo e adorando”, só que quando esse problema é algo que você no mundo real não incentiva nem participa nem tem qualquer poder real de evitar (sexualização feminina), não é comparável com o bolsonarismo. Nenhum regime autoritário funciona apenas com o líder, é necessário ter um exército abaixo do líder para executar esse poder autoritário dele. O bolsonarismo não é algo que se apoia, é algo que se participa. Tudo está ficando pior mas muitos não veem assim porque muitos devem estar vendo uma oportunidade de fazer carreira nesse regime.

    Shingeki é complicadão, porque virou uma história de vilões contra vilões cheia de politicagem.
    É nazistas versus sionistas.

    Me interessei pela recomendação e pensei em uma, “Kimi wa Houkago Insomnia” do Makoto Ojiro, o mesmo de autor de Fujiyama-san, aquele romance ginasial da garota alta.
    É sobre um casal de estudantes com insônia, astronomia, fotografia, bem agradável e bonitinho.

    • Acho que também tem como ter poder real de criticar sexualização, por exemplo, é provável que o Oda esteja melhorando um pouco em aspectos de representatividade trans nos capítulos recentes de Wano por reflexo de críticas ou por ele ter percebido isso (ao meu ver, não sei o que alguém da comunidade pensa sobre).

      A verdade é que é possível gostar de algo e ter ressalvas, como eu disse em comentários acima a pergunta que disseram no cast é incompleta, o certo seria algo como “como você pode gostar do comentário contra racismo na saga dos tritões e ainda ser racista?”.

      De qualquer forma, mesmo se a pergunta “mas como você pode ler X e apoiar Y” soar um pouco hipócrita, eu considero ela mais legítima se perguntada contra o pessoal preconceituoso, porque ao menos dá margem pra reflexão e construtividade. Entretanto, se a mesma pergunta fosse feita pelo outro time, seria apenas uma forma da pessoa defender seu direito de ser babaca online porque o outro “lê esse quadrinho que tem partes preconceituosas” (apesar de óbvio que a mesma lê APESAR dessas partes).

  10. Acho legal pontuar duas coisinhas sobre a discussão:

    Não, essa discussão de MX e Luther King não estava presente nos X-Men de Stan Lee, essa interpretação surgiu em publicações posteriores de Chris Claremont nos anos 80, até então era só mais uma estória de heróis e vilões caricatos. Isso não quebra o argumento de que, claro, ainda é um cara de fora escrevendo sobre algo que ele não vive nem tem um conhecimento aprofundado, vide Isayama.

    Sobre Nanatsu, acho que a qualidade é sim um fator que contribuiu para as criticas às problemáticas da obra, porém não de um jeito meio “é ruim, então pode cancelar!”, o que faz Nanatsu ser problemático é sua qualidade de roteiro, em como essas situações e personagens são montados, em Nanatsu no Taizai (diferente de OP, DB, Naruto, BNHA e etc.) o assediador é retratado (tando visualmente, quanto em atitudes) de maneira “”romantizada””, enquanto um Jiraya da vida é sempre mostrado como um velho babão ou um cara esquisito que sempre apanha ou se ferra por ter esse tipo de atitude, o Meliodas alem de ter um design bonitinho e ser o protagonista, sempre que faz esse tipo de bizarrice (da maneira mais explicita possível) é colocado pela obra como o cara engraçadinho e inconsequente. Basicamente, enquanto a Punchline de outros Shounens está em personagens se ferrando por tentar assediar alguém, em Nanatsu, a tentativa de piada está na própria situação de assedio, que é algo bem mais problemático (até porque o pessoal já bate nessa tecla antes mesmo de ser concesso na comunidade que Nanatsu no Taizai é ruim pra cacete)

  11. Consciência política é uma coisa engraçada, antigamente eu assistia yaoi e quando minha irmã me confrontava sobre o que eu estava assistindo eu falava “aaah é uma menina de cabelo curto” ahsuahushuahsu havia pouca tolerância para conteúdo com representatividade LGBT na minha família, e eu ainda considerava esse tipo de obra meio “progressista”
    Hoje em dia minha família está bem menos sensível a esse tipo de coisa, a ponto de assistirmos filmes como “Com Amor Simon” juntas ou ter minha mãe me recomendando um filme dizendo que eu vou gostar pois tem um casal gay (???)
    Enquanto isso eu ainda consumo yaoi / shounen ai, porém me sentindo incomodada com aspectos como fetichização, e relacionamentos abusivos, coisa que eu nem notava antes.

    Sobre a sexualização de One Piece: o arco de Dressrosa foi extremamente nojento com a Rebecca e a Robin, me sinto isolada por não ter tanta gente no fandom reclamando e apontando esse tipo de coisa. Fiquei com uma memória ruim da série por conta disso, esse ano na quarentena voltei a assistir (arco Whole Cake) e já melhorou bastante, tenho uma conexão emocional com a obra que não sei se vale a pena quebrar…

    DISCORDO TOTALMENTE, sobre Steven Universe Future. Não tem nada a ver com reciclar um arco hahahahaha nossa não sei de onde tiraram isso. O Steven passa a série toda curando a ferida de outros personagens, até que em Future ele enfrenta seus próprios problemas emocionais e vemos o seu crescimento, acho que foi um ótimo ponto final para a série. Não faria sentido o filme ser o final, e nem mesmo a última temporada, na minha opinião. Porque apesar de ter acabado o maior conflito da série, muitas coisas ainda estavam precisando de respostas / desenvolvimento.

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