Rick and Morty não é uma série perfeita – ao contrário do que o hype atual possa fazer parecer.
O episódio final da terceira temporada, anti-climático para a maioria dos fãs, tem um forte potencial de chamar nossa atenção para os defeitos da série, exatamente por não esfregar na cara do público as qualidades que ele mais ama. E conseguir decepcionar fãs tão devotos é um feito e tanto.
Justin Roiland e Dan Harmon conseguiram criar um tom muito específico para a aventura da família Sanchez, misturando conceitos filosóficos complexos a uma abordagem extremamente sarcástica e até irresponsável.
Teorias científicas pesadas e percepções niilistas são jogadas de quase despretensiosamente em meio a piadas de pum e referências metalinguísticas a cultura pop. Há uma frase que define muito bem a pretensão da série, dita pelo narrador no final do trailer da terceira temporada: Apenas uma série tão inteligente poderia ser tão estúpida.
Esta fórmula tomou o universo nerd (também conhecido como A Internet) de assalto e já tornou a série um clássico prematuro das animações televisivas.
The Rickchurian Mortydate
Acabei o episódio derradeiro da temporada 3 com uma sensação estranha que soava negativa. O episódio final tinha sido ruim? A genialidade da série é muito reconhecida, então me peguei numa tentativa desesperada em encontrar aonde estava o acerto escondido desta conclusão, principalmente depois de uma temporada tão boa – ela teve alguns dos episódios que com certeza ficarão marcados na história da série, como o empolgante The Rickshank Rickdemption (E01S03), o divertidíssimo Pickle Rick (E03S03) e, é claro, o complexo The Ricklantis Mixup (E07S03). Este último, aliás, poderia facilmente ter sido realocado para o Season Finale e se tornaria um dos encerramentos de temporada mais comentados do ano e, com certeza, o mais adorado entre os finales da série até aqui.
Porém, mesmo assim, os criadores decidiram terminar com um anti-climax. Optaram não só por não se aprofundar no universo, como o episódio da Citadela fez tão bem, mas também por fazer o exato oposto: ignorar boa parte dos elementos construídos ao longo da série – alguém lembra do Bird (agora Phoenix) Person? – e fazer basicamente um recomeço, trazendo de volta o status quo inicial utilizando o plot secundário do episódio para isso.
Enquanto Rick batalha diretamente com o Presidente dos Estados Unidos – e percebemos o tipo de série que estamos assistindo quando esta premissa não é considerada grandiosa o suficiente -, é Beth que desenvolve a trama, plantada rapidamente no episódio anterior, que acaba por causar a cena final e a grande (des) transformação da temporada. Se considerarmos toda a extensão dos 10 episódios, este conflito da clonagem foi estabelecido quase nos acréscimos, chegando até a soar apressado e supervalorizado pelo impacto que acabou tendo.
E, mesmo assim, a sensação estranha que senti se tornava cada vez mais positiva. Havia algo ali. A expressão de irritação e decepção do protagonista com a cena final me dizia que esta não era apenas uma jogada de roteiro para facilitar que os criadores tenham ideias livres de cronologia e contexto, permitindo que mergulhem tanto no humor nonsense quanto no drama intenso da maneira que quiserem sem se preocupar demais com suas implicações.
Bem, é exatamente isso – mas não apenas.
O Rickshow de Trumorty
A dicotomia entre narrativas contínuas e o formato procedural, com episódios contidos e auto-suficientes, é uma discussão importante e muito aplicável para Rick and Morty. Desde a primeira temporada somos apresentados às infinitas possibilidades e realidades que coexistem no universo da série, levantando dúvidas e suposições tão interessantes quanto irrelevantes sobre a natureza da realidade que estamos assistindo. Ao longos da série, as possibilidades de abstrações e teorias malucas só cresceu, com memórias e realidades falsas, robôs e clones que substituem os personagens, e lacunas entre um episódio e outro que podem ser – e são – preenchidas de formas absurdas. Isso tudo acaba nos levando a crer que tudo que sabemos pode ser falso, todos os personagens podem ser cópias e todos os grandes acontecimentos podem ser anulados a qualquer momento.
Talvez seja apenas o meu desgosto por séries episódicas falando – tenho uma preferência por contínuas, algo que já discuti muito com adoradores de obras episódicas -, mas parte do que descrevi no parágrafo acima me lembra muito os sitcoms que existem aos montes por aí.
Em um exemplo mais próximo de Rick and Morty, Os Simpsons constantemente trazem situações que deveriam mudar o caráter dos personagens, a política da cidade ou qualquer outro elemento recorrente na série, mas o que ocorre é um puro e simples recomeço a cada nova história – excluindo a esposa do Flanders e algumas outras exceções que provam a regra. O mesmo vale para inúmeras outras séries parecidas que eu sou simplesmente incapaz de citar por não apreciar o formato.
Seriados com esta estrutura, que são maioria na televisão, poderiam muito bem ter uma realidade diferente para cada episódio; aquele personagem que claramente deveria ter morrido no final de um episódio pode simplesmente ter sua memória implantada num clone para o começo do próximo, etc. A única diferença é que Rick and Morty – os dois personagens e a série – tem consciência desta repetição e insignificância da vida e das ações que eles tomam. Isto explica muita coisa sobre a série, desde seu humor até sua filosofia.
A piada do pum jogada depois da decisão de Morty em ficar naquela realidade ganha outro sentido neste ponto de vista. A fala de Rick sobre a repetição infinita daquela situação se aplica a séries de TV, que já tiveram situações de reconciliação familiar como esta incontáveis vezes. E Summer, trazendo o humor que teoricamente iria diferenciar a série em que esta de todas as outras, solta a piada-pum, ao passo que Rick, ainda descrente da originalidade daquele momento, revela que humor sujo e estúpido, embora menos comum, está longe de ser exclusividade de Rick and Morty. South Park já fez, como o próprio personagem afirma.
Esta metalinguagem, aliás, é onipresente, principalmente em Rick – ele, indiscutivelmente, tem noção de que estamos assistindo. Isto parece ser um forte motivador do niilismo que ele apresenta, já que, mesmo ele sendo basicamente um Deus em seu universo, suas atitudes ainda não são poderosas o suficiente para modificar a estrutura das séries de TV – e é isto que seu último olhar da terceira temporada grita ao presenciar um final tão pateticamente clichê, com uma piada tão fácil e pueril, sem nada da profundidade filosófica ou escatologia imatura que ele parece internalizar e representar.
O episódio final da temporada não era o que eu esperava, e, com certeza, poderia ser construído de forma mais sutil, mas até alguns de seus defeitos o beneficiaram de certa forma – a pressa da reconciliação de Beth e Jerry, por exemplo, prova que o poder de Rick pode ser subjugado de repente, sem aviso, e não há nada que ele possa fazer para prever ou evitar.
E, acima de tudo, o grande trunfo deste The Rickchurian Mortydate, aos meus olhos, é revelar esta ideia tão intrínseca e enraizada na série, que motiva as decisões criativas desde o começo: Rick and Morty é a história de um deus, preso numa realidade televisiva das mais clichês, lutando para manter sua originalidade. E, embora ele tenha levado um forte golpe no fim desta temporada, sua luta não está sendo em vão.
Sinceramente, você precisa de um QI muito alto para entender Rick e Morty. O humor é extremamente sutil, e sem a menor sombra de dúvidas a maioria das piadas passarão despercebidas na cabeça de um telespectador comum. Há também o estilo niilista do Rick, que está profundamente entrelaçada em seu personagem – sua filosofia pessoal é bastante inspirada nos livros de Narodnaya Volya, por exemplo. Os fãs entendem isso; eles possuem a capacidade de realmente apreciar a profundeza dessas piadas, de entender que elas não são apenas engraçadas – elas dizem algo profundo sobre a VIDA. Consequentemente, pessoas que não gostam de Rick e Morty realmente SÃO idiotas – é claro que eles não iriam gostar, por exemplo, do bordão do Rick “Wubba Lubba Dub Dub”, que por si só é uma referência ao clássico de Turgenev “Pais e Filhos”. Eu gargalho só de imaginar um desses seres simplórios coçando a cabeça diante da confusão causada pelo sarcasmo genial de Dan Harmon na tela da televisão. Que tolos… como tenho pena deles.
E sim, à propósito, eu TENHO uma tatuagem de Rick e Morty. E não, você não pode ver. Somente as garotas podem – e ainda assim elas precisam demonstrar que estão a pelo menos 5 pontos de QI (de preferência abaixo) de mim com antecedência.
Não tenho como te agradecer por representar tão bem os fãs da série. Te devo essa.
Pior do que a pessoa que postou esse texto a primeira vez, é quem reproduz infinitamente mesmo que de forma irônica achando que é super engraçado.
Eu gosto muito de Rick e Morty mas achei muito gratuito essa sua alfinetada para os não fãs da série. Ninguém é obrigado a gostar do que os outros gostam a mando de algum elitismo.
Uma pessoa gostar da série não necessariamente significa que ela é inteligente, ainda mais porque o desenho além de inteligente é engraçado, cheio de fator de choque, gore e etc.
Disfarcem, não conhecia a referência lol.
Séries como Rick and Morty me dão uma puta preguiça. Não tenho boas lembranças de tentar discutir séries ditas “inteligentes”, onde suas dúvidas sempre se transformam em: “Você não tem capacidade de entender essa série procure outra mas fácil”, o que sempre considero uma pena. E lamento não poder falar sobre o texto em si.
Cara, eu recomendo tente. A série é inteligente na mesma proporção que é estúpida, então tu dificilmente vai se sentir perdido. Ignore o fandom o máximo que puder.
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