Entre ler o mangá original e assistir a adaptação em anime, a resposta certa geralmente é a primeira opção, já que o leitor terá a mesma história do anime em uma obra mais autoral e, geralmente, mais livre. Porém uma das exclusividades atrativas da animação é a abertura, um elemento bem importante na cultura otaku, onde a maioria tem sua própria lista de aberturas preferidas e canta-as em karaokês e eventos de anime. E, como muitas coisas neste meio, há muita listagem e pouca análise. Portanto, inspirado pelo interessantíssimo quadro What’s in an OP? do canal Mother’s Basement, analisarei uma das melhores aberturas de Naruto Shippuden.

A abertura em questão é a oitava da série Shippuden, embalada pela música chamada Diver, da banda NICO Touches the Walls, exibida do episódio 180 ao 205. Como contexto, estes episódios se passam logo após o ataque do Pain a Aldeia da Folha, mostrando, além dos fillers, a reconstrução da vila e o entendimento do conflito político gerado por Sasuke e seus novos companheiros.

Um plano fechado no rosto de Naruto é a primeira coisa que vemos, com uma expressão vazia, como se estivesse em um transe. Ele cai na água em um plano aberto que o mostra completamente sozinho, embora a luz da superfície ainda esteja presente e o azul do fundo seja de um tom agradável. Até aqui, a água onde ele afunda não parece particularmente problemática.

Em seguida, conforme ele afunda mais, vemos que a luz vai sumindo aos poucos e o fundo se torna muito mais desagradável e opressor. Além disso, para atestar o caráter negativo e mórbido do cenário, surgem estes objetos pontiagudos que se assemelham a chaves. Estas tábuas com ranhuras são chamadas de sotoba, um objeto presente em túmulos no Japão, usados na abertura como um signo para morte, como lápides ou caveiras.

Embora seja diferente da maioria, sem cortes rápidos ou ritmo alucinado, ainda é necessário cumprir os papéis básicos de qualquer abertura. A apresentação dos personagens, geralmente feita com inserções descoladas do tempo e do espaço, aqui consegue ser orgânica e manter-se na situação proposta. Naruto está afundando entre as “lápides”, que podem representar as mortes causadas pela violência e o ódio do mundo ninja, quando somos apresentados aos vilões.

Surge então o co-protagonista da abertura, e da série, Sasuke. Naruto está sozinho do quadro e Sasuke aparece a uma curta distância dele, mostrando a intimidade e deixando o protagonista menos isolado. Porém, fica claro que eles não são mais companheiros pela posição oposta dos personagens, demonstrando a dualidade da relação deles que se compreendem, se completam e, ao mesmo tempo, são opostos. É interessante notar que o plano abre na bela cena dos dois se encarando e, sutilmente, podemos ver ao fundo mais personagens sendo apresentados, desta vez o grupo do Sasuke.

Fazendo Naruto demonstrar algum movimento pela primeira vez, Sasuke ataca-o com seu golpe clássico que brilha no preto e branco mórbido. Aqui começamos a compreender melhor o simbolismo exibido em toda a situação do mergulho. Naruto estava se deixando levar pela solidão e pelo luto, já que neste momento na série ele acabara de perder Jiraya e quase perder muitas pessoas da vila. Ele não está sequer usando sua bandana, o símbolo da inclusão e da amizade. E se o azul que ele se distanciou aos poucos representava alguma calma, agora o cenário é coberto de um vermelho violento enquanto a música fica mais agitada, mostrando a turbulência causada Sasuke, o ódio que traz uma dor muito maior que a simples solidão. Não ter nenhum amigo era ruim para Naruto, mas perder um que tinha é ainda pior.

Mantendo a forma orgânica de apresentar personagens, os amigos de Naruto surgem com utilidade para a “trama” da abertura. Como é fácil de notar, e repetido a exaustão durante a história, o que salvou Naruto da solidão e trouxe felicidade e paz para ele foram seus companheiros. O simbolismo é simples, mas eficiente, demonstrando visualmente a sensação de amparo do protagonista. Ele está afundando em um vermelho doloroso e é sustentado pela amizade, transformando tudo em um azul aprazível.

Naruto é alçado à luz por seus amigos e consegue sair do mar de negatividade e pessimismo que estava. A voz do cantor sobe junto com o personagem e, mesmo que o ouvinte não saiba a tradução da frase cantada nesse momento, que é algo como “Eu quero respirar, aqui é doloroso”, é possível notar que o trecho sai como um novo fôlego.

Logo que ele alcança a superfície, há um esguicho de água no fundo, provavelmente causada por Sasuke que acabara de cair neste mesmo mar. É rápido e sutil, um tipo de detalhe raro e que funciona bem em aberturas de animes, já que o espectador deverá assistir aquilo inúmeras vezes e terá a chance de notar.

Em sua ascensão, num belo e bem animado voo, Naruto abre os olhos e vê seu amigo e rival no centro de um redemoinho que parece remeter a um grande olho, marca dos Uchiha, e a máscara de Tobi, o verdadeiro vilão naquele momento. Sasuke está afundando na escuridão e Naruto prende sua bandana, novamente simbolizando a amizade.

Fica claro que, embora toda a abertura seja uma metáfora, o afogamento de Naruto trazia apenas representações de seus amigos, inimigos e do próprio Sasuke que, na realidade, estava afundando em sua própria solidão e ódio. Naruto sentiu na pele o mesmo sofrimento de Sasuke e agora está disposto a mergulhar para resgatar seu amigo, como fizeram com ele.

A abertura retrata a amizade como o mangá, pautada na luta contra a solidão, e cria uma metáfora muito coerente da situação do Naruto. Provavelmente é a abertura mais diferente da série por possuir um roteiro coeso, uma direção inteligente e uma música que dá o tom empolgante e emocionante ao todo. Isto é algo que só o áudio-visual pode nos proporcionar.