Coming of age e a Adolescência

O mundo sempre esteve em constante mudança ao longo da história, porém, no último século, notamos uma aceleração sem precedentes da evolução humana. E, como era de se esperar, os representantes deste novo mundo são os jovens, mais especificamente as gerações Y e Z, nascidos a partir dos anos 80. Muitas obras acompanham personagens jovens e apresentam histórias usando a juventude como inspiração e alvo, comumente abordando temas sobre amadurecimento e chegada da vida adulta. Atribui-se a estas obras a categoria Coming of Age (ou “Chegada da Idade”, em tradução livre), que parece ter se intensificado nas últimas décadas ao retratar e examinar a juventude moderna.

De início, é importante notar o caráter humano das abordagens e do tema em si. Além dos autores desejarem passar suas próprias experiências e reflexões sobre a juventude, os adolescentes e jovens adultos procuram um alento nos personagens que dividem suas frustrações e conflitos. Uma característica deste tipo de obra que influencia muito nesta identificação é a humanidade dos próprios personagens, geralmente muito falhos e inseguros, distantes dos heroicos protagonistas que se lia na infância.

Boa parte das obras que consumimos vem do Japão, da Coreia do Sul ou da América do Norte, o que poderia criar uma barreira cultural pelas diferenças do sistema de ensino, economia, relação familiar e outros elementos tão importantes na vida do jovem. Felizmente, a juventude é universal e o cerne do tema geralmente é compreensível para boa parte da população juvenil do mundo, salvo jovens que vivem em países não-democráticos ou em pobreza extrema.

Toda geração possui sua representação na arte e a ideia de tratar a juventude como tema não é nova, vide inúmeros filmes oitentistas que retratavam os pais dos jovens de hoje, geralmente buscando uma identidade ou tentando curtir a vida adoidados antes da iminente chegada da chata vida adulta. Hoje, por outro lado, temos obras mais reflexivas e melancólicas, como Solanin, Lúcifer e o Martelo, Annarasumanara, Koganeiro, Hikaru no Go, Onani Master Kurosawa, Scott Pilgrim, Legend of Korra, dentre outras.

Mesmo que o coming of age não pareça novidade, a própria adolescência é, historicamente, um conceito recente e que foi se tornando cada vez mais interessante e significativo. Com o aumento dos métodos anticoncepcionais, diminuindo o número de filhos e aumentando a atenção emocional e financeira individual, e a democratização dos meios de comunicação, auxiliando o pensamento crítico, a adolescência cresceu em todos os sentidos.

A Crise Adolescente

A evolução da adolescência se deu por inúmeros fatores culturais e econômicos da sociedade, desde um momento histórico onde a criança se tornava adulta subitamente até os dias atuais, onde podemos observar a pré-adolescência e até a pós-adolescência, esta última muito comum em obras de coming of age. O prolongamento desta fase é mais possível e favorável para os jovens das últimas gerações, tendo causas e consequências vitais para os conflitos do amadurecimento.

É fato que a adolescência é o período da transformação, mas a problematização deste momento da vida vem se intensificado ao longo dos anos. Os pais das gerações Y e Z geralmente são pessoas que abdicaram de boa parte de sua liberdade em prol das responsabilidades familiares e profissionais, pessoas que já abandonaram seus sonhos ou simplesmente nunca tiveram critérios tão altos. Em contrapartida, os filhos tendem a agarrarem-se por mais tempo aos sonhos e almejar muito mais.

Gerações distintas, dilemas distintos.

Em Solanin, a protagonista vai para a capital em busca de seus objetivos, algo que poderia ser bastante complicado. Porém, sua realidade não é de fome e pobreza, pois ela recebe com frequência legumes de sua mãe, ganha seu próprio dinheiro e, mesmo se tudo der errado, ainda pode voltar para a casa dos pais. Com estas facilidades, seu drama não é sobreviver, mas encontrar sua melhor maneira de viver, algo que define os dilemas da juventude atual.

Junto da liberdade, patrocinada pelos pais atenciosos, vem o otimismo. Longe das guerras e próximos dos heróis e estrelas da mídia, os jovens crescem acreditando que tudo é possível e que, por algum motivo, eles são especiais. Para estes seres iluminados, a felicidade certamente está no fim de seus caminhos, sendo a motivação e recompensa de viver. Embora esta conclusão seja exagerada, é totalmente compreensível, já que o sucesso é muito mais visível que o fracasso na mídia e nas redes sociais.

(Clique na imagem para ler o ótimo artigo que a originou)

Ainda assim, não se pode chamá-los de completos alienados. Em Koganeiro, por exemplo, os personagens mostram uma madura busca pela carreira perfeita para eles, trazendo o idealismo de forma mais ponderada. Vendo o exemplo, ou contra-exemplo, de seus pais, os jovens entendem suas responsabilidades para o futuro e procuram canalizar sua energia em um propósito, ainda que muitas vezes estes sejam extravagantes. Enquanto demoram para alcançar seus objetivos, a adolescência se estende e o espírito sonhador se mantém, causando inveja nos entediados adultos.

Contudo, o que separa os homens dos meninos é a maneira de tratar a própria confiança e capacidade. Com incentivos para acreditar que são especiais, seja os heróis que servem de inspiração até a criação atenciosa dos pais, muitos crescem acreditando que são protagonistas na vida real, e de fato são. Porém, há uma confusão para entender uma sutil diferença entre ser protagonista da vida e ser o protagonista da própria vida. Entender isto é vital para saber se os sonhos morrerão no travesseiro.

via Ryot IRAS

Sonhos e Objetivos

O incentivo ao sonho é constante na sociedade atual e pensamentos positivos relacionados a realização profissional se tornaram clichês. Isto gerou uma falsa esperança na juventude, o que serve como uma âncora para o amadurecimento. Servindo de contrapeso para as obras fantasiosas e romanceadas, muitas obras maduras de coming of age surgem sem o final feliz.

Pensar grande nunca foi um problema e sonhar é importante para criar uma realidade melhor para si e para os outros, mas é preciso entender que a realização nem sempre é possível. Se todos os sonhos adolescentes fossem realizados, teríamos uma sociedade dominada por atrizes, cantoras, músicos, apresentadores e youtubers. Os sonhos surgem, em geral, por inveja ou admiração, então é de se esperar que as posições mais desejadas são as que mais chamam atenção. Porém, nem sempre uma vontade denota um sonho concreto.

Em Koganeiro, o protagonista deseja se tornar um mangaká quando mais novo, já que adora ler mangás. Ao notar que não possui a determinação e capacidade para transformar esta vontade em uma carreira, ele abandona a ideia de maneira madura. Porém, quando precisa buscar sua verdadeira vocação, consegue criar uma interseção entre sua capacidade e seu gosto, encontrando um objetivo a ser alcançado.

Por carregar esta contradição às obras infanto-juvenis, mostrando que o esforço não é tão fácil na prática e muitas vezes pode não dar os frutos esperados, o coming of age melancólico pode soar derrotista. Obviamente, as dificuldades para alcançar seus sonhos são obstáculos, não barreiras intransponíveis, e tais obras não negam a possibilidade do sucesso. O objetivo é exatamente discutir a busca pelo sucesso e o modo como lidamos com as frustrações das expectativas não correspondidas, fragmentos do amadurecimento que podem acabar esquecidas em obras mainstream.

A lição final que obras como Annarasumanara, Solanin e Kaganeiro deixam é que os jovens devem compreender seus desejos e, sem expectativas messiânicas, equilibrar a felicidade com suas responsabilidades, tendo em mente que não existe algo como a satisfação definitiva. Isto enquanto mantém sua autonomia sem se prender ao passado, aproveitando a liberdade da longa adolescência para escolher qual caminho trilhar e refletir sobre o presente, sem esquecer que são, de fato, o futuro.

6 comentários

  1. Três dos meus mangás preferidos nesse post.
    Ficou muito lindo, bro.

    Sobre o assunto: é muito importante destacar que as histórias de CoA japonesas em geral abordam o grau de apoio familiar como algo determinante na formação do caráter dos protagonistas. Um filme de coming of age bonito ( e de amor, também) é Josee, the tiger and the fishes (Jyoze to tora to sakana-tachi).

  2. Lindo texto. Parei de ler mangas há um anos mais ou menos, mas fiquei curioso com Koganeiro, talvez eu volte. No mais, belo trabalho, também adorei o artigo da imagem.

  3. O melhor desse tema é que possibilitou ao mangá abordar mais das fases humanas, não se limitar, é um dos temas que mostram como o mangá pode ser não só diversão mas também uma fonte de reflexão para a vida, como a literatura se coloca, mostrando que existe a possibilidade do mangá amadurecer junto ao leitores, mostrar que não é só Naruto ou dragon ball e sim é uma forma de arte com toda a profundidade possível.

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