O Protagonista Shonen

O elemento mais representativo de um mangá shonen é, sem dúvida, o protagonista. Em geral, o foco recai sobre este personagem central que estará em quase todos os capítulos. Há muito protagonismo nessas obras e muitas vezes isso diminui a participação dos personagens periféricos, tornando-os simples ferramentas. Porém, os parágrafos abaixo não serão sobre o protagonismo, mas sobre a estrutura e os clichês dos protagonistas shonen.

Há um esteriótipo básico para o herói dos mangás de sucesso desta demografia. Mesmo possivelmente não sendo pioneiro, Goku (Dragon Ball) é um dos mais clássicos exemplos de protagonista que traz as características em questão e que sem dúvida serviu de inspiração para os mangakás que criaram suas obras posteriormente.

As características em si são fáceis de identificar: Distraído, negligente com a lógica, empático, infantil, comilão (às vezes) e mais alguns detalhes variáveis. Podemos encaixar inúmeros personagens nestas qualidades e em vários níveis de semelhança. Luffy (One Piece), Naruto, Ichigo (Bleach), Toriko, Natsu (Fairy Tail), Meliodas (Nanatsu no Taizai), Sakuragi (Slam Dunk), Yako (Majin Tantei Nougami Neuro), Hinata (Haikyuu!!) e inúmeros outros protagonistas possuem uma, duas ou várias destas características. Podemos notar, assim, um padrão deliberado com alguma motivação por parte dos autores.

Não possuo o conhecimento aprofundado da história dos mangás ou da própria sociedade japonesa para poder teorizar sobre a motivação dos autores para seguir este clichê. Porém, sem bases ou fontes específicas, posso notar que alguns atributos são conflitantes com o senso comum sobre o Japão. Ao pensar em seus habitantes, imaginamos seres centrados, lógicos, frios, comedidos e sérios. Com isso em mente, os protagonistas shonen podem ser interpretados como o símbolo de uma conduta desejável, mas fantasiosa e distante para os japoneses.

Ainda na área da suposição, os personagens dos mangás seriam adorados exatamente por serem diferentes e com uma espirituosidade que desperta o interesse no japonês comum. Porém, independente do cenário social que construiu esta estruturação de personagem, existem motivações e implicações narrativas nisto.

O protagonista, em qualquer obra, tende a servir como a ligação entre o universo fictício e o leitor. Acompanhamos sua vida e nos relacionamos fortemente com sua personalidade, como o primeiro amigo que fazemos em uma nova escola. Conforme a história se desenvolve, conhecemos outros personagens e nos relacionamos com eles também e, não poucas vezes, gostamos mais de um ou outro secundário do que do principal.

A característica vital para esse tipo de relação em histórias shonen é a neutralidade do protagonista. Ele precisa ser o ponto zero, geralmente com uma personalidade mais simples para que projetemos a nossa expectativa nele sem muitas dúvidas. Esta neutralidade, somada ao caráter empático e infantil, também beneficia um desenvolvimento mais fácil do roteiro.

Tendo protagonistas heroicos e simples, é muito conveniente e fácil motivá-los a ingressar em qualquer tipo de aventura e aderir a basicamente qualquer causa minimamente bondosa. Luffy é a representação, e extrapolação quase satírica, deste arquétipo, entrando em conflitos perigosíssimos simplesmente porque alguém lhe ofereceu comida ou porque ele teve a sensação que o vilão é malvado. E mesmo sendo incrivelmente ilógico e pacóvio, seu bom coração e honestidade despertam a confiança necessária em seus companheiros e no leitor, que compram suas lutas.

Entretanto, este arquétipo também é preenchido com um vazio de conflitos. Quanto mais se aproximam do clichê, menos os autores conseguem criar personagens tridimensionais e multifacetados, já que sua ingenuidade os torna incorruptíveis e quase infalíveis do ponto de vista moral. A ideia é exatamente isto, os personagens devem ser superficiais e com convicções incontestáveis. Deve-se notar, porém, que existem muitas outras maneiras de se estruturar um protagonista shonen e produzir uma relação entre ele e o público.

Evitando citar personagens seinen em obras de temática shonen, como Yuuhi (Lúcifer e o Martelo), a própria Shonen Jump tem exemplos atuais de protagonistas um pouco mais originais. Koro-sensei (Assassination Classrom) e Souma (Shokugeki no Souma), são personagens menos honrados e com intenções nem sempre tão altruístas.

E no mais novo sucesso da revista, Boku no Hero Academia, o protagonista Midoriya também se mostra um bom exemplo de originalidade. Ele é extremamente estudioso e até lhe falta heroísmo em muitos momentos, além de ser focado e muito atento. Seus conflitos existem exatamente pela distância deste arquétipo do protagonista heroico, pois é isso que ele almejar se tornar.

Talvez os autores estejam começando a abandonar o básico e possam explorar maneiras novas de estruturar seus protagonistas, assim tornando suas obras mais complexas e interessantes de se acompanhar. O que se espera de uma boa história é não saber o que esperar, por isso estes clichês antigos devem ficar onde deram certo: No passado.

4 comentários

  1. Parabéns por mais um post excelente.
    Eu odeio protagonistas, no caso de shonens, que são muito inocentes, tipo Goku e Luffy pois estes geralmente não entram em conflitos ideológicos ou psicológicos (Um que faz isso muito bem é o Gon do HxH pois a história é construída para isso) e quando esse tipo de protagonista é transposto para anime os dubladores fazem uma voz muito fina e aguda que é muito chata, contudo, um protagonista shonen (que nesse caso são dois) que eu gosto são o Ed e o Al de Fullmetal Alchemist pois estes são carismáticos, as ações deles tem impacto na história e o enredo aborda de maneira boa os conflitos ideológicos ou psicológicos e o principal é que eles são inteligentes e não resolvem tudo só na porrada.

  2. Eu penso que esse estereótipo funciona para achar o personagem legal mas pouco pra se identificar com ele, eu digo isso da minha experiência da infância (público dos shonens), eu gostava do Goku, e dos protagonistas em geral mas minha mente foi explodir sobre minha relação com personagens em dois animes, Digimon e todo o plantel principal e Gohan em DBZ (saga de Freeza e Cell), em Digimon eu conseguia olhar as falhas dos personagens e seus problemas assim como eu tinha e a sensação era fantástica, eu me identificava principalmente com o TK (fiz o teste de qual digiescolhido era na recreio e conferiu kkk), com Gohan o mesmo feeling, essa identificação me fez ficar apaixonado pelas obras ditas, pelo menos pra mim, na minha infância esses personagens mais fora do padrão funcionam muito mais

  3. Hoje mesmo tive uma aula sobre personagens, e se encaixa perfeitamente nessa discussão.

    Esses protagonistas normalmente se encaixam, além do de “Héroi”, no arquétipo do “Inocente”, que considero um dos mais difíceis de ser trabalhado, ou ao menos o mais raro de se ver conflitos bons sobre. A junção desses dois arquétipos se faz um personagem quase personificação dos “bons valores” em boa parte das séries, e por serem histórias voltadas a um público mais jovem, acaba sendo pouco trabalhado o “lado sombrio” de suas convenções, tornando-os bem rasos e unilaterais.

    Não quero reduzir tudo a essas considerações teóricas, pois cada série é única assim como cada personagem tem as suas nuances que estão muito além de simples categoriais, mas acredito que é didático associar alguns dos protagonistas fora da curva citados com a consequência da associação de seus tipo com outros arquétipos ou a utilização do lado negro deles. Koro-sensei embora tenha características inocentes, tem forte associação com o “Mestre” da Jornada do Herói e também conhecido como o “Sábio” de um modo geral. Souma tem uma associação com o estilo “Guerreiro” e “Rebelde”, o próprio Midorya que também considero interessante, é principalmente um arquétipo “Pessoa Comum” tentando ultrapassar seu status quo e se tornar um “Heroi” assim como “Protetor”. Essas variações e junções alternativas do protagonista a lá Dragonball é que proporcionam conflitos mais originais do que os milhares chapinhados das mesmas séries, que são vistos repetidamente nas páginas da demografia.

    Defendendo um pouco o próprio estilo ditado anteriormente, acredito que mesmo ele possa causar belos conflitos, mas como dito acima, parecem ser mais complicados de aprovação em histórias juvenis. O próprio Gon de HxH citado nos comentários é um bom exemplo de boa construção fora da curva no arco de Chimera Ants e mesmo personagens que aparentam ser totalmente diferentes, já foram o tipo citado em outra época, como Thorffin (considerando que o conflito já existia quando estava em uma revista shounen, ainda acho passível de se colocá-lo) que se tornou o lado negro desse esteriótipo. Mesmo o desenvolvimento dessa mudança não sendo mostrado, ainda demonstra as possibilidades desse tipo de personagem.

    Claro que também não há nenhum problema com esse esteriótipo desde que a própria história seja compatível com ele. Goku, Luffy e Sakuragi acredito que combinem perfeitamente com suas histórias e são bons protagonistas de cada uma delas, independente de sua complexidade como personagens. No entanto, copiá-los apenas por repetição acrítica, sem considerar o contexto da obra que se está criando, não dá.

    Parabéns pelo texto, e até mais

  4. Essas formulas são so uma forma de se vender personagens mais facil, um exemplo são o vilão badass revoltadinho que vira anti-heroi(vegeta, sasuke, byakuya). Tudo uma formula base para não perder tempo desenvolvendo personagens

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