Vertical – Witch Hunt

História em quadrinhos é uma mídia cheia de possibilidades. Modificando a adaptando o formato, os coreanos criaram os Webtoons. Para quem nunca se deparou com um desses quadrinhos, tratam-se de histórias lançadas em capítulos e apresentadas sem divisão de páginas, sendo apenas uma longa tira vertical lida conforme vamos descendo pela comprida página. O formato, por ser mais livre e recente, pode variar. Se quiser um aprofundamento mais específico no formato, pode ouvir este podcast ou ler este post no blog.

Esta é uma coluna nova dedicada exatamente a essa nova forma de se fazer quadrinhos, onde terão indicações e breves análises, discutindo a qualidade das histórias e o modo como elas utilizam sua natureza visual e narrativa. O intuito é difundir e discutir essa arte tão fascinante, atual e universal que possui uma gama enorme de títulos.

E, somando-se a isso, além do ótimo aplicativo para smartphones, onde a leitura flui melhor por conta do touchscreen, o site webtoons.com disponibilizou uma função que permite que suas séries sejam traduzidas pelos leitores no próprio site de maneira simples e rápida. Portanto, aumentando sua universalidade, algumas obras podem ser lidas em nossa língua, como é o caso do webtoon em foco neste post: Witch Hunt, da autora Park So-Yeon.


Gamin Shin é um garoto aparentemente comum. Ele chega a sua nova escola após ser transferido e se interessa pela garota mais estranha da sala. O interesse, alimentado pelo jeito silencioso e os acessórios excêntricos da menina, torna-se mais intenso quando ele presencia os poderes mágicos dela. Assim, Gamin acaba preso em uma situação inacreditável envolvendo bruxas e demônios, enquanto tenta entender sua nova amiga e sobreviver a tudo isso.

De início, os personagens dessa história não parecem interessantes o suficiente. Gamin Shin é o aluno transferido de sempre que se interessa pela garota misteriosa de sempre. Porém, não demora até que eles se mostrem mais que apenas o básico, ainda que o clichê do aluno transferido e da garota misteriosa já esteja estabelecido. O garoto revela um desvio de caráter muito relevante para a história, e que parece significativo para sua construção como personagem, além de não ficar apenas observando a trama se desenvolver diante de seus olhos.


Já Izzy, a bruxa, convence com sua reclusão, pois fica claro tratar-se de uma necessidade para se proteger dos outros, deixando alguns sentimentos aflorarem quando se sente confortável. Com essas demonstrações de afeto esporádicas intercaladas com atitudes frias e indiferentes, a personalidade dela poderia se aproximar muito do arquétipo tsundere, tornando a frieza um simples enfeite. Felizmente, ela não cai neste clichê superficial e se mantém uma personagem feminina humana e forte, com características coerentes e complexas.

Ajudando na identificação com a menina bruxa, o design caracteriza-a com uma aparência doce e esquisitinha, quase hipster, deixando seu visual simples, mas diferenciado. O garoto é simplesmente normal, o que não é um erro, já que ele é o humano comum inserido em uma situação fantástica. Os inimigos monstruosos invocados pelos demônios, chamados de “summoned soul” (ou “alma convocada”, em tradução livre), possuem uma aparência de fumaça que gera cenas visualmente interessantes. Os demônios em si possuem uma forma humana simples, mas geralmente elegantes, e uma forma demoníaca pouco criativa, apenas mudando de cor e ganhando orelhas e rabo, algo básico.

O traço em geral, aliás, é agradável e limpo. A pintura digital e as linhas finas, comuns nesse tipo de quadrinho digital, deixam a rolagem fluida, sem pedir por uma atenção exagerada em cada quadro. Quando precisa fazer boas cenas de ação, principalmente as que envolvem os poderes das bruxas, o desenho consegue passar o impacto das forças mágicas e o dinamismo das batalhas, mudando o posicionamento e o formato dos quadros a seu favor. Mesmo sem inovar muito dentro do estilo, o modo como a lógica visual da obra é feita contribui com um ritmo de leitura rápido e prazeroso.

A narrativa é outro ponto que torna a leitura convidativa, sempre apresentando acontecimentos instigantes e com relevância real para a construção dos personagens e o desenvolvimento da trama. Os ganchos no fim de cada capítulo, os mistérios explorados com calma e o modo humano como os personagens conversam e se relacionam conseguem criar, em poucos capítulos, a aproximação necessária para manter o leitor curioso e conectado.

Enfim, a obra não traz ideias absurdamente inovadoras, tendo até alguns clichês visíveis. Seu destaque está em apresentar seus conceitos com um frescor que dá o tom da leitura, algo que se deve muito ao formato das webtoons. Se uma figura mágica mais antiquada usaria um guarda-chuva aberto para flutuar e uma varinha para seus feitiços, aqui vemos uma bruxa que usa seu guarda-chuva fechado para surfar no ar e outra que lança sua magia com submetralhadoras. É exatamente aí que residem as qualidades da mídia, apresentar uma abordagem nova a antigos conceitos e modificar sem perder a essência. Neste sentido, Witch Hunt torna-se um ótimo exemplar do seu meio.

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