1Volume – Independência ou Mortos

Volume único, Abu Fobya e Harald Stricker.

Muito se fala de quadrinho nacional, do crescimento do mercado e em como a internet tem ajudado os autores que desejam se aventurar nesta mídia, e Independência ou Mortos é um produto interessante deste quadro. Produzido e editado pelos criadores do site Jovem Nerd, escrito pelo saudoso Fábio Yabu e ilustrado pelo iniciante em quadrinhos Harald Stricker, o produto se destaca por seguir um caminho editorial muito único.

Utilizando-se de um momento histórico do nosso país como inspiração, o quadrinho acompanha a família real desde a fuga de Portugal, mostrando o crescimento e evolução de D. Pedro até se tornar um grande herói brasileiro. O detalhe é que a avó do protagonista, Maria I, A Louca, acaba desenvolvendo um vírus zumbi, desencadeando uma infestação que ronda a vida dos personagens e do Brasil durante toda a história.

Existem dois pontos relevantes para se analisar na obra logo de cara. Primeiro, a arte: é impossível ler até o fim sem ficar alarmado com a arte pelo menos uma vez. O desenho chama a atenção por ser diferente, apresentando um preto e branco que não se vê em mangás, com muitos detalhes e contrastes. Ainda que seja muito esforçado e impactante em um primeiro momento, acaba apresentando alguns problemas depois de algumas páginas.

As expressões, cheias de impacto, acabam perdendo um pouco da sua força pelo exagero constante. Alguns personagens têm seus rostos deformados para se tornarem mais expressivos, tirando um pouco da personalidade deles e fazendo parecer que não são feições de medo, mas caretas que exercem papéis específicos em cada cena sem seguir muitos padrões entre elas. É notável também um mau controle de movimentação entre quadros em alguns momentos, com personagens mudando seu lugar no espaço ou sua pose drasticamente de um quadro para outro.

A segunda coisa que se nota logo na primeira página, e se torna recorrente, é a narração. Aqui, o recurso é usado muito para contextualizar o leitor historicamente e não deixar ninguém perdido. Em certos momentos, porém, a narração se torna irritante ao verbalizar desnecessariamente a importância de certas situações. Frases como “Mal sabia eu que aquele seria o início de uma lendária amizade.” tentam incutir importância de maneira expositiva ao invés de deixar para a interpretação do leitor. Felizmente, o autor acerta quando usa a narração de maneira irônica para relativizar a grandeza dos feitos das figuras históricas.

Tais figuras, aliás, são apresentadas de maneira muito direta e clara desde o começo. Por isso mesmo, a sequência inicial é um dos pontos altos da história. As situações são feitas para apresentar os personagens, deixando o leitor interessado em saber como eles resolverão tudo aquilo. As características mais importantes aparecem logo nesta primeira parte, como a sede por heroísmo de D. Pedro, o egoísmo e a covardia de D. João VI e a relação complicada deste com sua esposa, a rabugenta Carlota Joaquina, tudo exposto de maneira orgânica e clara.

Após este primeiro momento da história, quando os portugueses chegam ao Brasil, o roteiro adota outro ritmo. Focando-se em uma abordagem mais histórica e até didática em certos momentos, o tempo começa a passar muito mais rápido e a leitura torna-se um pouco monótona. As cenas relatando o modo como o Brasil e a Europa se desenvolviam soam irrelevantes para a estória do quadrinho e parecem uma pausa aborrecida. Mas ao menos não se torna totalmente ruim, já que os personagens que conhecemos ainda estão ali e novos começam a surgir.

D. Pedro, como protagonista, é o personagem mais desenvolvido e o mais interessante. Ele conhece novos companheiros, como sua esposa Léo (Maria Leopoldina) e o escravo Tigre, porém estes dois se mostram muito mais relevantes como ferramentas para o roteiro e para o próprio D. Pedro do que bons personagens. Léo possui quase nada de personalidade, sendo uma boa esposa e uma boa atiradora, e Tigre é uma montanha de músculos igualmente mal desenvolvido e vazio.

Mesmo assim, a maioria dos personagens desempenha um papel importante até o fim. É uma pena que a falta de envolvimento com a maioria deles enfraqueça tanto o peso de suas ações e seus destinos. E o final, talvez a parte mais insatisfatória da obra, evidencia muitos dos problemas que se anunciavam durante boa parte da leitura.

O tom tenta se equilibrar em uma corda bamba entre o humor de ação com o horror de ação. Em certos momentos parece que a intensidade dos exageros e dos fatos históricos estão ali apenas para servir o impacto, sendo o mais extravagante possível nas cenas de ação. No fechamento o tom acaba extrapolando com um melodrama mal construído e caindo da corda para um lugar muito confuso.

Todo o conflito final, na verdade, mostra-se muito forçado e absurdo. Este último momento de ação é de um exagero terrível, fazendo toda a tensão do desfecho se perder e criando um ódio forçadíssimo entre o protagonista e o final boss zumbi. O modo verossímil em que a história estava sendo contada no começo se perde e dá lugar a excessos superficiais de impacto. Enquanto brincava de seguir os fatos com liberdades divertidas, a obra ia bem, mas no fim não se satisfez em criar uma história alternativa e decidiu criar uma realidade paralela, com um estilo absolutamente destoante do resto da leitura.

Desenvolvendo apenas um personagem realmente interessante, seu protagonista, e se perdendo no tom e no estilo de sua história, o quadrinho se mostra inconstante e mais focado em parecer empolgante do que em ser empolgante e construir uma narrativa inteligente e eficiente. O herói brasileiro construído aqui é análogo a obra em que reside, tirando a camisa para mostrar que é belo, forte e impávido, mas sem exibir um conteúdo um pouco mais inteligente que seu patriotismo agressivo. Infelizmente, não és uma obra a ser amada ou idolatrada.

Avaliação Final

3 comentários

  1. Fdliz por ler uma crítica sincera,, dum blog sem laços com o Jovem Nerd (eu acho XD).
    Sou o primeiro a comentar este post e ainda bem que este primeiro comentario não é de um fã alienado, dizendo que “vocês são uns m*rdas! Não entendem de nada! Quem são vcs pra criticar o trabalho do JN!”.
    Entendo que network/amizade são bons para fazer com que um trabalho saia e tenha maior aceitação. Mas, realmente chega incomodar um pouco ver algo de qualidade duvidosa tentando ser empurrado goela abaixo através de um podcast. Um derivado da cultura do “tapinha nas costas”? Talvez.
    Entendo que os caras investiram naquilo, deram duro (?), correram atrás dos meios para tornar toda a publicação mais viavel, etc. Mas… o público não tem nada a ver com isso. Posso parecer frio falando isso mas, é assim, oras. Mas que bom que, ao que parece, a HQ vendeu bem, né?
    Isso me fez lembrar do caso Rafael Draccon/Dragões de Eter. Cogitei comprar no bom e velho “porque não?”… até

  2. (Apertei o botão de comentarios sem querer, continuo o comentario aqui)
    … Até que eu li a descrição do livro. “Blablá grande jogador de futebol Allejo blablá Branford blablá sonhar blablá Sandman…”. Pensei “Que m*rda! É sério isso? Cara, isso nem referencia é! Isso é uma fanfic prensada!”. Não li e sinceramente não tenho a minima intenção de ler depois de uma dessas.
    Mas não confundamos as coisas. Curto Nerdcast, Rapaduracast e afins, mas sei separar as coisas. Não é porque curto o programa e o papo dos caras que devo bater palma pra tudo o que fazem. Minha inteligencia é curta, mas não admito que a insultem.

    • Eu dei minha opinião sincera, analisando a história em si. Devo dizer que o marketing deles é ótimo, eu realmente acreditei que a história seria incrível, e ainda acho que eles consideram ela assim. E não acho que é uma história que não deve ser lida, acho ela bem relevante, só que com uma qualidade um pouco abaixo da média.

      Já o que citou do Draccon, a obra que se passa no universo de Sandman é Fios de Prata. Eles chamam de “tributo” e talvez possa ser algo bom, alguns universos merecem ser mais explorados. Não li, mas a sinopse não me desinteressou.

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