2 capítulos, Nekota Ichigo
Do mesmo autor de Skyhigh, onde assina como Takahashi Tsutomo, este curto mangá soa como um oneshot dividido em duas partes. Com um ritmo muito dinâmico e agradável, pode ser lido rapidamente sem muito esforço. O autor mantém seu traço característico, muito solto e disforme, mas que dá uma particular fluidez para a narrativa visual.
Essa história começa com uma jovem adulta, Souma, andando em sua moto e tentando fugir do mundo exterior, da realidade. Ela é surpreendida por um acidente na estrada e decide ajudar, chamando a ambulância e salvando o motorista do carro. Ao conhecer o tal motorista, um adolescente chamado Yuuya, a moça acaba se envolvendo com a vida do garoto. Ele é um jovem traumatizado que também costuma fugir da realidade e diz poder enxergar sons.
Não é difícil supôr a temática da história lendo apenas essa sinopse. O mangá trata de fuga da realidade, responsabilidades e conexões com o mundo. Pode não ser muito sutil, mas a história é bem desenvolvida o suficiente para nos envolvermos com os personagens e seus conflitos, deixando a obra bem profunda e identificável.
A protagonista é uma garota de 27 anos, referenciando aqueles rebeldes e subversivos músicos que morreram nesta idade, caracterizada por sua introversão e aversão aos relacionamentos muito próximos ou estáveis. Entendemos isto desde o começo e é algo explorado durante todo o mangá. Ela vê no garoto seu reflexo distorcido e percebe aos poucos que tal conduta não é razoável e nem saudável.
O garoto, Yuuya, também demonstra essa aversão pelas ligações com o chamado “mundo externo”, se distanciando de todos para não sofrer novamente com as mentiras e desilusões causadas pelas pessoas que o cercavam. O conflito dele é muito mais complexo, até do ponto de vista médico, gerando consequências muito mais pesadas e dificultando ainda mais sua reabilitação.
É interessante notar que muitas das coisas que conhecemos dos dois personagens é dita por outra pessoa tentando analisá-los, tanto pela já citada introversão de ambos, mas também pelo fato dos amigos e familiares se importarem com eles. Isso é importante para o mangá estabelecer que os conflitos dos personagens são especialmente internos e relacionados a falta de confiança, já que eles não são completamente abandonados ou ignorados pela sociedade. Os dois personagens se ajudam mutuamente por se aceitarem como iguais, enquanto o resto do mundo parece distante em seus julgamentos.
A moça vê no garoto o que ela poderia se tornar, notando que a fuga leva apenas ao niilismo e ao total vácuo de existência. Sua dúvida sobre construir uma família com seu namorado é resolvida pelo entendimento de que apenas liberdade e desprendimento torna a vida vazia e sem sentido. Se a felicidade só é plena quando compartilhada, é necessário sacrificar certos desejos íntimos e abraçar algumas responsabilidades pelo bem das relações sociais e conexões sentimentais.
O trauma do garoto é ainda mais profundo, principalmente por estar muito relacionado com a vontade de viver. Por não possuir mais conexões com o mundo e com as pessoas que vivem nele, Yuuya trata sua vida de maneira igualmente livre, leviana e deprimente. Se não há nada que prenda-o no mundo, não há porque continuar vivendo nele, sua vida torna-se inútil e descartável. Ele vê em Souma uma âncora na realidade. Não por acaso, a ligação é criada a partir do som do coração dela, a única coisa que a criança ouve na barriga da mãe, o momento mais dependente e reconfortante de nossa existência, o oposto dos anseios dele após o trauma. Por também tratar sua amiga como um reflexo distorcido de si mesmo, o garoto consegue rever seus próprios conceitos ao saber que ela superou o vazio.
Os dois personagens e seus conflitos se misturam, se completam e se assistem, fazendo os dois entenderem a si mesmos a partir do outro. Ambos conseguem mudar suas vidas e encontrar um caminho para seguir, escapando das ilusões e das fugas. Depois de tudo, eles não estão mais indo para fora do mundo exterior, mas na direção dele.
Avaliação Final
[…] Links Comentados 1Volume: Dead Flowers […]
Só li um mangá e metade de outro na vida, eram ambos logos, 10 volumes ou algo assim.
Minha primeira experiência com oneshot…
Quero mais, curto li em cerca de 10 min de leitura e uma sensação muito gratificante.
Uma boa recomendação vinda do podcast!
Oneshots tem muito a oferecer e geralmente possuem estruturas mais únicas. Como dizem, obras longas nos ganham por pontos, obras curtas por nocaute.
Se quiser conhecer mais bons oneshots, recomendo o podcast que fizemos sobre Obras Curtas, o Top 5-1 de oneshots curtos e a ótima coletânea Hotel, do Boichi.