Faz um tempinho desde a última vez que escrevi um desses, então pra quem não lembra, a ideia deste texto basicamente é eu vir aqui, escrever alguns parágrafos mal estruturados fingindo que entendo de música e de mangás, masturbar meu ego de hipster em cima de todos vocês e depois dormir sorrindo em cima da minha pilha de anseios sociais e pretensões de arrogância por atenção .
No processo, também acabo pegando uma obra dos quadrinhos japoneses, um álbum musical e crio alguma correlação entre os dois. Lembrando que o objetivo não é necessariamente encontrar uma trilha sonora para um mangá, a comparação entre as obras pode ser temática, pode estar nos sentimentos que ambas evocam, ou até algo mais abstrato, comparando instrumentalidade com personagens. Enfim, forçar mesmo, se divertir no próprio pretensiosismo que a ideia evoca, então vamos lá. SPOILERS estão em amarelo (mas não é nada demais)
Muitos questionamentos e debates existem para definir qual foi primeiro verdadeiro álbum de rock-progressivo, “In the Court Of The Crimson King”, da banda King Crimson, muito provavelmente não foi tal álbum. Outros artistas, como Frank Zappa e Can (estão sentindo a masturbação?), já estavam experimentando e empurrando as barreiras do rock mesmo antes do lançamento de ICCK, mas é certamente inegável a influência e impacto que o segundo álbum da banda britânica teve no destino do gênero.
Experimental, ousado, com um estilo incrivelmente próprio e que usa do jazz, rock e clássico pra criar algo completamente único, mesmo com o relativo sucesso de “Red”, primeiro álbum da banda, In the Court foi uma obra que surgiu do nada, mas que surgiu para ficar para sempre na linha-do-tempo da música. Hoje em dia, um pedaço da história do rock completamente essencial para qualquer um que se considera fã do gênero, alias, recomendo o álbum até para quem desconhece de rock-progressivo, ou até tem aversão ao estilo, mas quer dar um primeira ou segunda chance.
Tirando algumas merdinhas de Pink Floyd, In the Court of the Crimson King foi o primeiro álbum de rock-progressivo que escutei na vida e até hoje considero-o como meu favorito. Extremamente acessível, muito forte, emotivo e até pegajoso de uma certa forma, é álbum que convida e ajuda o ouvinte a explorar as maravilhas que a música pode oferecer.
Digo, ICCK é acessível, mas acessível num contexto de rock-progressivo. Não é um álbum de pop que você vai escutar no rádio e imediatamente se apaixonar, é uma obra que exige, no mínimo, a expectativa de se esperar por algo diferente, algo que ouse, que experimente. Nesse sentido, esperando o que há se esperar desse conjunto de músicas, não há motivos para não se entregar completamente para tal obra prima da música.
A propósito, já entrando no tema do texto, é primeiramente neste aspecto de expectativa, que é onde acho que o álbum mencionado até agora se parece com Kokou no Hito, mangá de Shinichi Sakamoto. O quadrinho do montanhista também exigi certas expectativas, quem for querendo uma obra fácil, que entregue tudo pronto e mastigado, vai se decepcionar. A história é contada muito não-linearmente em várias partes, alguns arcos são maçantes, existem muitos simbolismos… mas mesmo assim considero The Climber bem acessível também, ele empolga, tem pouco texto, constrói bem os personagens extremamente humanos, é só estar no mesmo nível de sintonia que a obra, que o resultado final será um 10/10.
Estou idolatrando o album do Rei Rubro, mas nem sou tão fã de progressivo pra falar a verdade, acho que In The Court é uma das poucas obras que alcança o que muitos dos álbuns do gênero falham: emoção. Esta obra é uma experiência megalomaníaca e teatral das mais variadas emoções, a começar pela faixa de abertura, “21st Century Schizoid Man”, que é quase que literalmente um soco na cara. Um quase-silêncio de 30 segundos domina o começo da música, como a calmaria antes da tempestade, e então já somos derrubados pra trás com uma série de acordes de guitarra completamente entoxicantes, um refrão que pega o ouvinte pelo cérbero, uma série de sax gritante que são um tesão só e um solo de clarineta que, puta que pariu, esse solo de clarineta!
Todo esse forte impacto da primeira faixa chega com tudo, só pras coisas se acalmarem na segunda música, “I Talk to the Wind”. Uma música bem distinta da primeira, sendo uma espécie de melodia medieval de algum planeta distantes, com mais solos de flauta incríeis, só que mais relaxantes e poéticos. Esse sobe-e-desce sonoro é algo bem recorrente em ICCK, praticamente todas as faixas terminam em longos crescendo musicais, para que a faixa traga uma harmonia mais calma e suave. É questão de pacing comum, mas é uma característica que acaba ficando bem emblemática durarante a obra, assim como em Kokou no Hito. The Climber praticamente respira essa montanha-russa de impacto e descanso, constantemente a própria linearidade temporal do mangá é quebrada para que tenhamos um respiro antes de uma morte surpresa, o upara que tenahmos uma avalanche ensurdecedora, seguida de um silêncio misterioso numa ala de hospital. As duas artes possuem bastante sim dessas quebras repentinas de tom.
Outra comparação mais forçada que pensei enquanto escutava a obra, é na penúltima faixa, Moonchild, onde há um longo tempo dedicado para uma espécie de improvisação musical entre os instrumentos, quase como se os sons do álbum estivessem conversando entre si, mas de uma maneira bem livre, jogada e harmoniosa ao mesmo tempo. Kokou no Hito também tem algo parecido, quando o Mori resolve aceitar definitivamente que vai escalar o K2, temos vários capítulos de grandes quadros, sim planejados, mas metaforicamente improvisados, no qual somos mostrados a grandes focos de varias partes do corpo do montanhista. Um grande silêncio domina essa parte do mangá, assim como no álbum, e ficamos com a sensação de uma espécie de improvisação artística por parte do autor,melhor ainda, uma improvisação com significado.
No geral, acho In the Court uma obra extremamente orquestral, só que mais do que só orquestral, ela é orquestralmente moderna e ousada. Talvez seja por esse lado que ela me remete tanto a The Climber, um mangá gigantescamente dramático, só que extremamente contemporâneo em sua execução e realmente ousado em todas as suas experimentações e simbolismos.
Algumas emoções, no entanto, permanecem mais fortemente no final de In the Court of Crimson King: tristeza e depressão, principalmente em faixas como Epitaph e The Court of the Crimson King. A própria capa interna do album, que representa o Rei Rubro, demonstra um olhar de extrema tristeza, quando escondido o sorriso. Kokou no Hito é bem depressivo também, mas no geral revela mensagens positivas sobre o que é viver e correr atrás de seus sonhos. O autor, no entanto, já revelou em entrevista, que o livro no qual a história é baseada é um pouco mais pessimista em relação às conclusões da obra. Muita coisa foi alterada pelo Sakamoto, ele achava que tais conclusões não condiziam mais com a realidade do mundo moderno, principalmente o final. In The Court, ao contrário de The Climber, é uma obra dos anos 60, um mundo ainda em guerra (fato muito fortemente representado nas letras do álbum), talvez , se em algum dia, algum autor mais ousado fosse realizar uma releitura moderna da obra, também acrescentaria emoções mais contemporâneas ao álbum.
Enfim, só esse pensamento final solto, sem conclusão mesmo, até a próxima (prometo não demorar tanto).
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BÔNUS
Não necessariamente o álbum todo, mas a letra da música Eight Letters, do Paul Baribeau, me fez lembrar do filme “5cm/s“, do diretor Makoto Shinaki. Acho que quem viu o filme ou leu o mangá, vai entender do que estou falando.
Eu comecei, mas não continuei, a ler kokou no hito justamente por achar que não estava no feeling certo pra lê-lo.
Mas como ouço o album ICCK pelo menos semanalmente, vou tentar ler o montanhista nesses momentos.
Não é necessariamente “gosta desse leia este”, mas acredito que vá gostar bastante de Kokou no Hito se der uma segunda chance, o começo é meio lento.
Como trilha sonora, o belo álbum In the Court Of The Crimson King não serviria pra mangá algum, já que é meio difícil ele estar tocando e você não querer parar pra ouvir, ouvi-lo inteiro. Ouvi-lo numa casa alugada de apenas um comodo e vazia de moveis, só cheia do que de você é permitido ser preenchido, imagino que este seja o senário ideal para escutar esse álbum.
Sim, In the Court e uma obra completa, só escutando ela plenamente pra pegar todas as nuances e detalhes e sensações. Pessoalmente, nem gosto de escutar música enquanto absorvo outras mídias, mas com esse álbum em especifico, é mais impossível ainda.
Pode crer. Po Judeu esse filme tem uma puta fotografia, cada cena é um espetáculo para os globos oculares (Assisti mais por causada fotografia do que pela história)….. Muito foda, combinou pra caramba.
Indo ouvir agora os outros Mangás Musicais
Bom Trabalho cara (y)
Assumindo que está falando de 5/cms, também acho a história bem mahomenos. A primeira parte é legalzinha e a segunda acaba se salvando um pouco por causa do twist no final, mas o filme realmente se salva só com a arte e fotografia, que acabam passando as sensações de nostalgia e melancolia muito mais do que a história.
Já assistiu aquele o curta Kanojo to Kanojo no Neko (1999)? Se não me engano esse foi o trabalho que “lançou” o Makoto no cinema japonês…
Fica dica de outro curta o Ohayo do Satoshi Kon (y)
[Não é regra, mas…] Quando o artista se liberta de todas as amarras e interferências externas e consegue tomar o controle criativo pra si, obras-primas são feitas. Laughing Stock, do Talk Talk, é uma delas. No hall dos grandes álbuns dos anos 90. Por que raios estou falando isso? Costumo usar músicas (geralmente mais focadas no instrumental) como trilha sonora durante a leitura de mangás; mania (ou frescura, tanto faz, antes boas melodias como acompanhantes do que cachorros rosnando e vizinhas histéricas) que começou anos atrás com outro título que chama atenção por seu desprendimento… Kokou no Hito (!). Faixas meditativas como Myrrhman e New Grass foram grandes aliadas no desbravamento daquelas gélidas montanhas.
E ainda sobre KC, me é impossível escutar Moonchild sem associá-la à imagem da gorducha da Christina Ricci sapateando graciosamente numa pista de boliche, em Buffalo’66.
Talvez lhe interesse, Judeu: http://linda.nmelindo.com/i-18-de-maio/ http://linda.nmelindo.com/ii-18-de-agosto/ O artigo Experimental Por Quê? pelo menos eu sei que vai.
[…] estas representações artísticas de alto nível, com mais camadas de entendimento do que qualquer Kokou no Hito ou […]