Volume 01 (em andamento), por Q Hayashida.
Ler Dorohedoro é um desejo e uma promessa pessoal bem antiga, desde muito antes de começar a gravar podcast com o maior fã da obra no Brasil (e cujo a escolha de avatar é o personagem principal da série). É um desejo que remete inclusive ao primeiro post sobre o mangá que o Judeu Ateu fez no agora longíncuo ano de 2011, e desde então surgiu essa curiosidade de ver o que uma discípula do Tsutomu Nihei era capaz de fazer.
O mangá segue basicamente duas linhas narrativas: em um dos lados, Kaiman, um cara com cabeça de lagarto (figura bem representativa do mangá, que tá logo na primeira página) segue acompanhado da bela e misteriosa Nikaido em uma busca ao usuário de magia culpado pela transmutação de Kaiman nesse estranho ser; no outro lado, Shin e Noi (usuários de magia com uma máscara de coração humano e caveira, respectivamente) são designados para localizar e eliminar o cara de cabeça de lagarto que anda matando tantos usuários de magia. Ou seja, o que vemos são os dois lados de uma “briga”.
As aspas acima são uma representação do fato que, embora com um claro conflito, com algumas lutas e com pessoas capazes de usar magia, Dorohedoro não é um mangá de luta. Talvez seja difícil dizer exatamente sobre o que é o mangá, mas definitivamente ele não é apenas sobre uma disputa entre esses dois lados. Envolve muita construção de mundo, um quase slice of life sombrio, e um “humor sério” bem característico, mas vamos por partes.
Nesse primeiro volume, somos gradualmente introduzidos aos conceitos do mundo criado. Nele, usuários de magia vivem em um mundo separado, mas frequentemente vêm até o mundo onde Kaiman vive (chamado de Hole) para fazer experimentos diversos na população local de não-usuários. O resultado disso é um mundo escuro, decadente, em ruínas, com pessoas deformadas sendo figuras comuns pelas ruas. Ninguém se espanta, por exemplo, com a aparência bizarra de Kaiman. Nessa caracterização e ambientação é onde vemos o primeiro mérito artístico da autora Q Hayashida, que consegue transmitir todas essas informações apenas através das roupas costumeiramente negras dos personagens e de sua arte “suja” na representação das construções.
É interessante como a autora nos explica diversos detalhes e micro-conflitos do mundo em tão pouco tempo sem precisar apelar para um narrador ou diálogos expositivos. Em apenas um volume, já temos uma ideia geral de como funciona a magia e de qual é (mais ou menos) a estrutura social do lado dos usuários de magia e do lado do Hole. Isso sem uma palavra direta sobre o tema, apenas na sutiliza do roteiro e na narrativa que apresenta os fatos gradualmente em conversas casuais ou postura dos personagens.
Aliás, os personagens centrais da obra também são um show à parte. De um lado, Hayashida consegue em poucas páginas nos fazer simpatizar com um cara com cabeça de lagarto, enquanto no outro lado nos dá indícios claros da personalidade de outro personagem só pelo modo com que ele age dentro de um carro e pela máscara que ele usa. Claro, ainda é muito pouco e tudo indica que os personagens são bem mais complexos que isso, ainda há todo um universo a ser apresentado, mas o que foi exposto foi o suficiente para mordermos a isca e entrarmos de vez na história.
Mas nem tudo são flores neste primeiro volume, infelizmente. E o ponto que mais pega nesse começo é a arte. Citei ali em cima que o design sujo ajuda na caracterização do mundo, certo? Porém é uma pena que a sujeira tenha sido a única característica que Q Hayashida conseguiu absorver das habilidades arquitetônicas de seu mestre Tsutomu Nihei; suas construções carecem da praticidade, da objetividade e da firmeza das quais Nihei esbanja tanto. Muitos prédios, por exemplo, tem construção que não faz sentido arquitetônico, problema que jamais vemos nas composições de Nihei, que sempre pensa no porquê de cada porta ou janela existir. Sim, é desonesto comparar as construções dela com as de um arquiteto por formação, mas a origem e as influências da autora tornam “fáceis” as comparações.
Porém esse nem é um grande problema. O maior problema neste caso é a representação dos personagens.
Primeiramente, não posso criticar a anatomia pois julgo como estilização (que pode ou não ser um artifício para esconder incapacidade artística, igual o Oda fazia no começo de One Piece) e ela por si só é bem consistente; não existem grandes variações nas proporções dos personagens ao longo do volume. Porém Hayashida, possivelmente por ainda ser amadora (na prática, só teve outro mangá de 3 volumes publicado antes), não tem uma gama muito grande de posições que ela saiba desenhar bem, seja ângulos em que vemos os personagens, seja em posições dos corpos, uma característica que lembra bastante o autor de Shingeki no Kyojin (que é assim até hoje).
As poses são muito “quadradas”; personagem está de frente, está de lado ou está na diagonal, e é isso. Todos sempre em posições bem eretas e retas, sem nuances de postura. As poucas vezes em que existe alguma variação são nas cenas de ação, que ainda são poucas nesse primeiro volume.
Mas consigo relevar isso por conta do fato da construção das cenas ser na maioria das vezes voltada para algo que se aproxima muito do que chamamos de slice of life, com cenas de cotidiano e bastante conversa casual. Isso tudo com algumas pitadas de um humor sério que disfarça suas “piadas” em movimentações no background ou em humor físico clássico. Em algumas páginas, temos a impressão de estar lendo um daqueles clássicos 4-koma porém com mais quadros e sem uma grande punchline. O relacionamento engraçadão dos personagens é um ponto positivo e que destoa positivamente do ar sujo e pesado do mangá; afinal, há alegria até em um mundo decadente.
Para todos os efeitos, Dorohedoro conseguiu prender minha atenção nesse primeiro volume. Estou contando com uma evolução grande da arte da autora nos próximos volumes, porque esse foi o único contratempo que evitou que eu morresse de amores pelo mangá. Mas não morrer de amores é diferente de não gostar, e admito ter gostado bastante desse volume inicial. Consigo ver nele o potencial de se tornar digno do pequeno hype underground que possui (mas ainda sou Team Estranho).
Avaliação Final
O início é bem travado mesmo, porém depois melhora. Acho a Nikaido e o Kaiman péssimos protagonistas, a família do En são personagens muito melhores, ATÉ MESMO O FUJITA.
Espero ver um enquadrado um dia, já que está no fim do mangá.
Como já disse aqui, nao sou um leitor muito hardcore por falta de tempo. A maioria das coisas que li ou leio é das mais populares mesmo. E pra mim foi um pouco difícil ler esse mangá. A impressão que tenho é de que a arte é o que me afasta. Mas fui achando interessante e devo ter lido um pouco mais de 20 capítulos. Agora que vc me lembrou, fiquei com vontade de continuar. Mas sei la… Tem alguma coisa que nao me agrada.
Está agora no volume 18 (mais ou menos): o cap. é o 123 (lançado agora, em 2014). Eu li ano passado, mas nunca vi ninguém comentar sobre ele. Ainda bem que vocês são ecléticos aqui.
Eu acho que compensa ler, mas não é um dos melhores mangás dos últimos tempos. É um Seinen, mas tem aqueles personagens “engraçados demais” (estou falando da Ebisu mesmo). É meio que importante, né, quando rola um pouco de humor, mas não pode cair no ridículo e a autora do Dorohedoro pega meio pesado no humor.
E concordo com o LEMOS, a Nikaido é meio sem-graça (na verdade foi ficando cada vez mais sem graça). O destaque é a dupla Noi e Shin (que me lembram os personagens do Pulp Fiction e Cães de Aluguel; do Tarantino).
Dorohedoro é um dos melhores mangás que já li em toda a minha vida, não é só insano e criativo, é insano criativo e consistente. A forma como a Hayashida Q consegue desenvolver todos os personagens, sendo todos importantes(É todos mesmo, eu estou falando que qualquer personagem que aparecer em Dorohedoro vai ser importante para história e receberá desenvolvimento), aliás, ela aproveita ao máximo tudo o que tem no manga, os personagens, o cenário e aquelas cenas que você acha que está lá só pelo alivio cômico mais acaba sendo importante no enredo.
Eu estou lendo os capítulos atuais e vejo revelações de coisas que já tinham tido foreshadowing nos primeiros volumes.