Mangá Musical #6 – Solanin + Scrambles

Bomb the Music Industry! certamente é uma banda bem difícil de se catalogar, basicamente suas influências e musicas incluem algum elementos de hardcore, punk e ska, mas classificar a banda somente como Ska-Punk não faz justiça. O grupo, alias, já foi classificado até como “Ska-punk para pessoas inteligentes”, comentário que a banda chegou a ironizar, mas que demonstra uma certa distância que os ouvintes colocaram entre BtMI e bandas de ska-punk mais “clássico”, tipo Less Then Jake ou Against All Authority, e principalmente contra a cultura da 3ª Onda de Ska que circula o gênero.

Não estou nem julgando o ska-punk, nem diminuindo a cultura que o rodeia (gosto bastante na verdadr), mas BtMI possui uma atitude e uma instrumentalidade punk e Do It Yourself, que realmente não encaixa tão bem com a categoria. Não lembra nem um pouco Streelight Manifesto ou Mostrad Plug, não lembra nada na verdade, sei lá, acho uma banda muito única.

BTMI-Scrambles tumblr_m4bszi1KHW1rnenm8o1_1280

Nunca vamos saber como soava a banda do Taneda em Solanin, digo, tem a versão do filme e a do Asian Kung-Fu Generation (ambas excelentes), mas mesmo isso nunca irá satisfazer os nossos corações, vamos morrer sem saber. Mesmo assim, tenho certeza, de que cada um que leu a obra, tem dentro de sua cabeça uma versão muito clara e totalmente muda de como a banda toca. É engraçado e contraditório, mas o mangá tem essa magia, quando folheio as suas páginas, toca um versão audível e ao mesmo tempo surda da banda pra mim.

Talvez isso tenha alguma relação com interação de memória visual e sonora, mas acho que parte desse efeito vem da forma em que os personagens são retratados tocando. Seja o Taneda estourando os seus pulmões no desabafo, a força do movimento do Billy na bateria, ou a leveza na mão da Meiko na guitarra, tudo entra numa harmonia bem interessante, escutamos com os olhos.

Solanin_v02_c26_-_180

Bom, só estou jogando papo fora, justificando a conexão antes mesmo de realiza-la. A ideia desse post é simples na verdade: acho que o album “Srcambles” da banda Bomb the Music Industry! e o mangá “Solanin” de Inio Asano, se assemelham em uma grande temática: o coming-of-age.

Pode não parecer, mas até que “a chegada na vida adulta” é um assunto tratado com certa frequência no cenário musical moderno. O pop-punk (aka “emo”), apesar de amplamente criticado como “problemas de adolescente de classe média”, tratava o coming-of-age bem diretamente, era forçado e dava um ar conformista demais, mas tava lá (só ler as letras de quase qualquer musica de Simple Plan e Blink182). O próprio ska-punk, com bandas como Less Then Jake ou Mad Caddies, também apresentava musicalmente o assunto de não saber o que é ser um adulto.

No entanto, acho que assim como Solanin pra sempre representará o ápice da temática de coming-of-age na midia que representa, Scrambles também será eternamente o álbum definitivo sobre o tema.

O assunto do que é ser um adulto está em praticamente em todas as faixas, sempre de forma muito inteligente e simbólica. Porra, acho genial, o que diz mais “coming-of-age”, do que deixar todos os recibos caírem no chão da estação porque você não tem uma carteira? Do que andar na chuva com os pés inchados por usar os sapatos do seu pai? Do que pedir pra mãe pagar o médico porque você não tem seguro?

A música “25!” possui 3 estrofes que poetizam o coming-of-age de uma forma brilhante:

– We got our ideals but no way to achieve them.
– We got our degree but got no means to use it.
– We’re swimming in debt with no way to surmount it.

– We got thirty bucks and we spend it on whiskey.
– We got credit cards, so we got a new TV.
– We got mobile phones but no minutes so text me.

– We swallow our pride over piles of problems.
– We whine and complain but we don’t try to solve ‘em.
– We’re reaching for answers like nobody’s got ‘em.

A 5ª faixa, “Wednesday Night Drinkball”, também trata o problema sobre liberdade sem propósito, falando que não tem nada menos “cool” do que se sentir cansado de horas de não fazer absolutamente nada. Ir pra biblioteca só pra ter certeza de que ela está fechada, remete não-intencionalmente a Meiko dando 10 passeios pelo bairro todo dia.

“(Shut) Up The Punx!!!” é um faixa um pouco menos cantada, quase um discurso gritado sobre o tudo e o nada, me lembra um pouco a parte em que o
Taneda esquece a letra da musica e improvisa um desabafo. “Saddr Weirdr” é uma canção que pode parecer uma carta de adeus, mas que na verdade possui um certo sub-texto amoroso, lembra alguma coisa?

I put all my books in a box
to put them in a concrete cube and
underneath more boxes and hidden behind boxes
I’ll get in one too.

solanin-15-17-18

A faixa que encerra o álbum, “Sort of Like Being Pumped”, canta sobre ver o pôr do Sol pelo trem, sobre ver os mesmos desconhecidos todo dia e batalhar silenciosamente com eles pelos assentos. Me lembra bastante a cena incial do mangá, da Meiko reclamando do trabalho no trem, mas honestamente acho que é a musica que mais poderia se assemelhar ao Solanin do Taneda. Digo, Solanin é uma musica que já existe, com letras próprias, mas quase consigo enxergar a Meiko rasgando o pulmão de cantar “when I saaaw” e caindo no chão terminando a musica. Não sei, talvez  “Sort of Like Being Pumped” divida o mesmo forte sentimento dramático e de encerramento com essa cena climática do mangá.

Enfim, daria pra analisar e encontrar semelhanças em praticamente todas as faixas, acreditem, eu já fiz isso, mas acho que o ponto já foi feito. No final, entendo que algumas pessoas vão falar que, sonoramente, Scrambles não lembra Solanin tanto assim, talvez tenham razão, mas a ideia não é achar uma OST pro mangá. Acho muito mais interessante observar as semelhanças temáticas entre essas duas obras tão distantes. O quão incrível é, que mesmo esse sentimento que pode parecer tão moderno e único, é ao mesmo tempo universal ao ser-humano?

Até a próxima.

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5 comentários

  1. Cara, Bomb The Music Industry! é uma das minhas bandas favoritas e Scrambles é o meu álbum favorito depois do Adults! (que também trata sobre o coming-of-age) e eu nunca tinha parada pra prestar atenção em como as músicas se assemelham com Solanin. E parando pra pensar agora, Saddr Weirdr retrata quase perfeitamente o Taneda e desde quando ele some até sua morte (pelo menos pra mim). Cold Chillin’ me lembra bastante o começo do mangá e também do desabafo do Taneda. Valeu, Judeu, agora eu vou ficar pensando sobre isso toda vez que eu ouvir essas músicas.

  2. Quando ouvi esse álbum de cara eu não consegui associar com Solanin, justamente por ser mais agitado do que o mangá, mas vendo pela letra, vejo que combina mesmo. Tanto a letra do álbum como a premissa de liberdade e individualidade de Solanin se entrelaçam, embora ache as letras dessa banda mais exageradas. Na época que peguei a recomendação desse álbum no seu Twitter, vi outros clipes dessa banda e senti essa sensação que a banda queria passar, especialmente vendo essa música:http://youtu.be/wJ8MW02QTP0 (Big Kisses). Me lembrou até Ramones aqui.
    Mudando de assunto, vi um dia desses no XIL que o Inio Asano é fanboy de Madoka, pode parecer uma informação meio inútil, mas senti vontade de compartilhar aqui.

  3. ‘O pop-punk (aka “emo”)’

    Só um adendo: o emo e o pop-punk são vertentes bem diferentes. O emo, chamado hoje de ‘real emo’, vem de bandas como Embrace, Fugazi, Dag Nasty e outras já nos anos 80. Nos anos 90, bandas como Mineral, Sunny Day Real Estate, Samiam, entre outras, deram continuidade a essa vertente, que inclusive hoje em dia está em alta no underground americano como uma espécie de revival dos anos 90.

    Já o pop-punk, é basicamente uma versão mais leve do punk rock californiano, que começou um pouco com o Descendents, entre outras bandas. O que aconteceu em meados da década de 2000 foi uma confusão em taxar bandas que tocavam pop-punk, como bandas emo. Acabou-se tendo uma visão errada do que se é o emo de verdade.

    No mais, ótimo texto!

    • Achei não me expressei corretamente. Talvez seja tarde demais pra falar isso, mas tenho noção do que é o 90s emo e do revival que o gênero tem tomado no últimos anos, curto algumas bandas da categoria, como Snowing, CapnJazz, ou mais recentemente Dads e Brand New. Até onde sei, o termo era utilizado pra descrever bem vagamente todas essas bandas de teor mais emocional, até tomar a forma que tem.

      Acho que eu só tinha uma mal entendimento do que é o pop-punk, que uso/usava pra denominar justamente as bandas do cenário emocore dos anos 2000.

      Coloquei o “aka emo” justamente porque sei que o termo é mal interpretado. Acho que era mais fácil ter colocado “emocore” de uma vez. Obrigado pela correção, de qualquer jeito.

  4. […] Para quem não lembra desta categoria, trata-se de uma análise conjunta de um mangá e um álbum musical, com comparações e relações entre as duas peças, suas intenções, mensagens e relevância. Geralmente, as duas obras escolhidas eram pouco conhecidas e muito hipsters, mas darei um passo além e exaltarei estas representações artísticas de alto nível, com mais camadas de entendimento do que qualquer Kokou no Hito ou Solanin. […]

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