1Volume: Innocent #01


Volume 01 (em andamento), por Sakamoto Shinichi.


Após o incrível final de sua última obra, o elogiadíssimo Kokou no Hito, o autor Sakamoto Shinichi tinha a difícil tarefa de seguir em frente após uma obra de tamanha aceitação. Innocent carrega já de início o peso da eterna comparação com seu predecessor, e muitos dos que chegam para conhecer esta nova obra já tendo a experiência da anterior, iniciará a leitura com um misto de esperança e preocupação; esperança de uma qualidade tão grande quanto, e preocupação desse objetivo não ser cumprido pelo fato da barra já ter sido posta num nível muito acima do comum.

No meio das produções shonen, não são poucos os casos de autores que jamais conseguem voltar a produzir algo que mantenha o nível da sua obra máxima, e julgo que isso ocorre principalmente pelo fato destes se manterem presos ao mesmo estilo de abordagem da obra anterior, tornando a que veio depois apenas “mais do mesmo”, o eterno “não é tão bom quanto X…”. Porém, como é mais comum no seinen, embora Innocent carregue um pouco do sentimento de “mais do mesmo”, ele consegue ter uma cara totalmente diferente, aproveitando a mesma atmosfera contida em Kokou no Hito para contar uma história com ambientação, personagens, abordagens e tempo-espaço totalmente diferentes.

O mangá acompanha Charles-Henri Sanson, próximo herdeiro da família Sanson, que são há quatro gerações os Executores Reais da França. Charles está destinado a ser o próximo executor oficial do rei, porém encara com incertezas e inseguranças seu futuro. Esses sentimentos são ainda mais afetados pelas figuras autoritárias de sua avó, preocupada em manter o nome da família, e de seu pai, que fará de tudo para torná-lo um herdeiro digno para essa posição de prestígio. Pra ajudar, sabemos que no futuro, Charles será o executor vigente no período da Revolução Francesa e será inclusive o responsável pela execução do Rei Luís XVI.

De forma similar a Kokou no Hito (referenciado como KnH a partir daqui), Innocent é baseado em um figura real (no caso, o próprio Charles-Henri Sanson, que existiu de fato e conduziu milhares de execuções ao longo de sua vida), porém aceitando leves modificações para tornar a história e os conflitos mais interessantes, resultando no chamado “romance-histórico” que o Bernard Cornwell faz tão bem em seus livros. Também igual a KnH, esta obra é baseada especificamente em um romance; neste caso, “Executor Sanson” (tradução livre), de Adachi Masakatsu, obviamente não disponível no Brasil.

Mesmo sem fazer julgamento de valor, é inevitável fazer comparações diretas de certos pontos entre Innocent e KnH, e não conseguirei evitá-las, mas o lado positivo é que essas comparações servirão apenas para auxiliar a expor determinados pontos. Para iniciar, um exemplo da característica mais interessante que ambas as obras compartilham é a “frieza” de seus cenários. Enquanto em KnH as intocáveis montanhas eram personagens à parte, que exprimiam todo o desejo de isolamento de Mori Buntarou e toda a crueldade dos acontecimentos de sua vida, os cenários de Innocent (principalmente a casa onde vive Charles) são espelhos da grande insegurança e da sensação de hostilidade que cerca o personagem principal. Cada canto escuro da casa é um local ameaçador; cada mobília, cadeira, porta representa a dureza do mundo com a ausência de convicção de Charles. E a já reconhecida arte realista de Shinichi apenas colabora com tais ambientações, sendo sempre preciso e detalhista em cada mínimo quadro. A abertura da série, desenvolvida em completo silêncio, é um show de como se utilizar a linguagem dos quadrinhos a favor de uma narrativa.

Essa ambientação tão realista acaba por ressaltar na obra um protagonista totalmente diferente do Mori de KnH; Charles, embora tão instrospectivo quanto o primeiro, é um chorão, um gato amedrontado que despreza seu destino, mas já se conformou com ele; alguém quer mudar para satisfazer as expectativas mas não consegue. A relação de Charles com o mundo é explorada de uma forma muito mais clara e direta pelo autor, e seus relacionamentos humanos são pontos-chave deste primeiro volume. Em um espaço tão curto de tempo (e páginas), ele se prova uma figura interessantíssima e que desperta bastante curiosidade quanto a seu destino, e o fato ser um personagem tão multifacetado torna o acompanhamento de seu crescimento (que deve ditar o tom da obra a seguir, creio eu) uma experiência esperada com empolgação.

Mas o mais bacana é que Shinichi está trabalhando com um elenco muito interessante nesse novo cenário criado. Só na família Sanson existem pelo menos outros três personagens que já são figuras relevantes para o enredo e que devem figurar mais momentos interessantes nos próximos volumes. O pai de Charles, por exemplo, é muito mais complexo que apenas uma figura paterna autoritária distante; há uma justificativa para suas ações, e o próprio personagem lida com essas justificativas de maneira muito única. E estou particularmente ansioso pelo desenvolvimento da irmã mais nova de Charles.

No final, este único volume até aqui de Innocent o autor nos trouxe uma obra com bastante personalidade, com sua já reconhecida arte incrível e com um elenco interessante, que não só afastou qualquer dúvida de que Sakamoto Shinichi não é um autor de uma obra só, como também nos empolgou com a possibilidade de estarmos diante de outra obra-prima. É cedo pra afirmar, mas não é cedo e nem irreal olhar para o futuro com essa esperança.

Avaliação Final

11 comentários

  1. Que capa espetacular…
    De para ter uma boa noção do clima do mangá por sua descrição e pelo enredo me parece até mais interessante que o começo de Kokou no Hito, onde no começo parecia mais um mangá de esportes. E este já de começo faz parecer que vai te propor algo além.

    Oque mais me chamou a atenção foi o fato da história se basear em mais um personagem real e ainda mais o fato do protagonista mesmo sem gostar do seu destino acabar se conformando.

    Nunca tinha lido as matérias aqui, só ouço o Manga² mas está de parabéns. Muito bem escrita essas suas “Primeiras Impressões” do mangá de Innocent.

    • Opa, valeu pelo apoio! Queria realmente fazer mais conteúdo escrito, mas o tempo já tá apertado demais. Espero que ano que vem, quando estiver mais tranquilo, consiga manter uma periodicidade melhor.

  2. Eu estava pensando em deixar os volumes acumularem pra depois correr atrás da obra, mas o texto despertou a minha curiosidade, vou dar uma conferida

  3. Belo texto para um belo mango.

    Considero o início “convencional” de Kokou no Hito de suma importância para moldar a narrativa e evidenciar a imersão de Buntarou na prática do alpinismo. Ao meu ver a tática foi intencional. O autor compõe suas páginas com precisão cirúrgica. Em Innocent, o ritmo ainda mais lento e o simbolismo discreto confere a cada quadro e a cada gesto sensibilidade ímpar, e contrastar toda essa beleza com fatalidade (e um bocadinho de cinismo) é receita pra espetáculo. Só espero atenção redobrada no tom da história a fim de não cair no melodrama (afinal, tem sempre um Kurumada à espreita caçando dupla para spin-off de Saint Seiya, huehue).

    No mais, where are the chicks, Sakamoto? :B

    • O difícil de considerar como “intencional” o começo de Kokou no Hito é que ele teve 3 escritores, sendo que só a parte final foi escrita pelo Sakamoto, que só desenhava até então. Já Innocent tá sendo desde o começo só dele. Acho que por isso que o tom de Innocent é tão parecido com o final de KnH.

      E sobre as chicks… tô mirando na irmãzinha com tendências homicidas!

  4. Eu também notei essa irmãzinha com a descrição borrada, me lembrou 20th century boys, quando tem um cara no mural da situação atual de personagens e mostra: Esse cara era um dos amigos de infância do Kenji, mas atualmente não há informações dele.

    No geral, foi uma experiência satisfatória esse primeiro volume, o traço dos personagens e do interior das casas é bem detalhado, sem falar na exploração do ambiente feita que é uma característica importada de slice of life histórico e as expressões faciais dos membros da família, que me trouxe à mente Família Adams. Só não gostei da viadice exagerada do personagem principal e a foto colagem do céu que ficou meio deslocada do resto da imagens e assim, ficou inferior às montanhas de Kokou no Hito.

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