Seguindo numa quase intertextualidade com o podcast de Mangás Tristes que fiz recentemente, achei justo tentar algo parecido com essa coluna. Dessa forma, seguem dois dos mangás e um dos álbuns mais tristes de todos os tempos: Ai-Ren, Oyasumi Punpun e Hospice.
Tá, acho que talvez isso vá ficar um pouco forçado, mas vamos lá… Hospice é o 3º album da banda de indie-rock The Antlers, inicialmente lançado de forma independente na internet em 2009, mas logo foi pego por uma gravadora no mesmo ano. Tristeza é o que me faz unir essas três obras, acho que esse é o pensamento mais óbvio na minha cabeça que posso dizer, mas calma, vamos em passos.
Antes de mais nada, Hospice é um album conceitual, ou seja, conta uma história, no caso a história de um homem que conhece uma paciente terminal de câncer ósseo no hospital onde trabalha. O homem se apaixona por essa personagem depressiva e abusiva, passa por vários momentos com ela até presenciar a sua inevitável morte. É um conjunto de musicas muito bem intercaladas, com um liricismo bem pesado e que lida principalmente com esses temas de morte, doenças, memórias e conflitos emocionais relacionados com todas esses tópicos.
No mangá Ai-Ren, o aspecto de uma terrível doença, resultando em um futuro certo e negativo, também é explorado. Em ambos, o mangá e o album, somos apresentados a dois personagens com os quais nos identificamos bastante, a ponto de realmente carregamos os seus problemas durante a obra. Nos dois casos também, essa relação com os personagens é sempre construída com a lembrança do destino trágico chegando cada vez mais perto.
A diferença aqui é que em Ai-Ren, a mensagem final da obra é, são não positiva, ao menos reflexiva e a ser pensada, já em Hospice, o sentimento final da obra extremamente depressivo. Na verdade, a arte-sequencial inteira tem um clima bem agradável conciliado com momentos tristes, já o album, alterna os momentos tristes com uma espécie de ironia muito densa.
A suavidade do vocal acaba amenizando boa parte do clima pesado criado pela melodia quase que orquestralmente trágica, de forma que só percebemos a densidade inserida dentro das músicas quando realmente paramos pra prestar atenção na letras. O conforto que o vocal trás, permite que a banda construa textos como os de baixo, sem parecerem brutamontes. É muito impactante, mas sem ser grosseiro:
“Walking in that room when you had tubes in your arms, those singing morphine alarms out of tune kept you sleeping and even, and I didn’t believe them when they called you a hurricane thunderclap.”
“Sylvia, get your head out of the oven. Go back to screaming and cursing, remind me again how everyone betrayed you. Sylvia, get your head out of the covers. Let me take your temperature, you can throw the thermometer right back at me, if that’s what you want to do, okay?”
“In the middle of the night I was sleeping sitting up, when a doctor came to tell me, “Enough is enough.” He brought me out into the hall (I could have sworn it was haunted), and told me something that I didn’t know that I wanted to hear: That there was nothing that I could do save you, the choir’s gonna sing, and this thing is gonna kill you. Something in my throat made my next words shake, and something in the wires made the light bulbs break.”
E é aí que entra Oyasumi Punpun.
O que não falta para Punpun é pessimismo construído em cima de sarcasmo e tragédia. Tudo que acontece com o personagem principal durante o mangá é sempre acompanhado de um drama muito carregado, chega até a cansar o leitor. É um tipo de tristeza diferente de Ai-Ren, mas que talvez me remeta mais ao ainda ao album, é desgraça e sofrimento num nível tão grotesco que realmente faz o leitor/ouvinte chorar, nem que seja pelo cansaço.
O problema é que no mangá, toda a melancolia da obra é apoiada em critérios um tanto quanto amplos de existencialismo, é dramazinho de adolescente (pelo menos até o vol10). Talvez na hora da leitura, o mangá não cause tanto assim essa impressão, mas quando você compara com a frieza e crueldade que a temática da “doença terminal” carrega, os problemas do Punpun voltam a parecer um pouco rasos.
E é esse o conceito que estou tentando construir aqui. O futuro trágico de Ai-Ren aliado com o cinismo e pessimismo de Oyasumi Punpun, formariam juntoa o que seria a complexidade trágica que Hospice carrega. Não consegui pensar em nenhum mangá que sozinho tivesse uma temática tão verdadeiramente trágica e tão sem “moralzinho final” quanto esse album.
Enfim, acho que nunca li e (por mais pretensioso que isso possa parecer) duvido que alguém tenha lido algum mangá tão triste e pessimisticamente pesado quanto Hospice. Tive que juntar os conceitos por trás de dois mangás pra representar a força de impacto por trás da história e musicalidade dessa obra.
Talvez seja possível encontrar esse tipo de entrega de sentimentos nos cantos mais obscuros da arte-sequencial japonesa, às vezes sinto que a parte mais mercadológica que chega pra gente, carece um pouco de finais “ruins”. Acho que a única obra que eu poderia relacionar diretamente, de alguma forma, é Gen Pés Descalços, mas mesmo assim são tipos de tristeza bem diferentes. Gen ataca pela tragédia visual/temática, Hospice é uma tragédia muito mais melancólica, é uma exposição de sentimentos muita mais fria cruel, é de fazer chorar pela honestidade emocional que a obra transpassa.
É, não sei se ficou tão forçada assim essa conexão, mas é isso aí, até semana que vem.
Ótimo post, nada melhor que uma música que combina com os mangás e sirva como trilha sonora.Esse álbum deve combinar também com o Socrates in Love que o Alemão recomendou no Mangá² nº 31
Essa cena de Oyasumi Punpun do quadro foi uma das cenas que mais me arrepiaram na obra, principalmente aquele comentário da obra “A Galáxia” que Punpun escreve (e resume toda sua vida) no capítulo 63:
“Ele estava triste porque Miyo, a menina mais popular da escola tinha se transferido.
Mas poucos dias depois, outra menina, de um planeta distante se transferiu para a escola dele. O menino se apaixonou por ela à primeira vista.
Não havia explicação lógica sobre porque ele se apaixonou. Ele meramente sentiu que ela era sua alma-gêmea.
O menino acreditou que ele deveria protegê-la não importa o que aconteça. Entretanto, não demorou muito até que ele a perdesse.
Agora, ele cresceu, e continua a procurar por sua amada enquanto vaga sem rumo pela galáxia.”
Mudando de assunto,já vou começar a ler Ai-Ren e Socrates in Love
— shaturanga — Alefe —
Grandíssimo Judeu Ateu,
mais uma vez guiado por outra excelente indicação, adicionei o TheAntlers ao meu playlist porém não tive a oportunidade de ouvi-lo até ontem, quando em um fim de um tarde resolvi criar uma nova lista e reencontrei o Hospice.
Apesar de não ter lido o mangá Ai-Ren ainda (outra indicação que foi suprimida em uma lista de afazeres), sinceramente torço para que a melancolia não encontre par na extrema tristeza de Hospice, porque caso isto aconteça será um nublado inicio de fim-de-semana… mas vamos ler Ai-Ren (a vida é assim, sabores doces e amargos para que não perca o paladar!)
Abraços do K.Buddy Holly, atrasadíssimo em sugestões!