Rodapé: Yokokuhan e a Internet

Este post faz parte da sessão Rodapé, onde busco tratar de alguns assuntos específicos utilizando-me de algum mangá como pano de fundo para essa análise.

Você pode conferir os outros dois textos da série clicando nos links a seguir: Nurarihyon no Mago e os Youkais e Crows e os Yankiis clicando nos links disponíveis.

O assunto da vez será a Internet, e através desse post pretendo discorrer sobre a contemporaneidade do jovem mangá Yokokuhan.


(Clique nas imagens se quiser ampliá-las)

A Internet

Não há dúvidas que a Internet revolucionou o mundo de muitas formas, principalmente na forma com que as pessoas podem se manifestar e se relacionar. O que era simples e local, agora toma proporções globais; a foto que você mostrava para os parentes quando iam te visitar agora está disponível no seu perfil do Facebook para ser visto em qualquer ponto do mundo; o texto perdido no seu caderno brochura virou um post em um blog pessoal; a gravação de fita cassete para um amigo virou uma indústria de compartilhamento de música com vida própria, e que muitas vezes utiliza-se de caminhos ilícitos em busca do reconhecimento e do enriquecimento fácil.

Tudo isso provém da característica mais interessante e mais atrativa da internet: ela aceita absolutamente tudo. Você pode falar o que você quiser, sem exceção. O que antes eram apenas pequenas vozes isoladas de descontentamento com alguma situação, hoje se transformou em um conglomerado de ideias, e a internet possibilita que mais e mais pessoas com um ideal em comum se conheçam e se mobilizem… sem nunca terem se visto pessoalmente. De Occupy Wall Street a manifestações civis no Egito, a possibilidade de revolução e propagação de ideis está gradativamente sendo devolvida a mão do povo comum, e sua única barreira reside na omissão e na preguiça inerentes do ser humano.

Mas não são só apenas as causas nobres que tem espaço na internet e, como dito antes, ela aceita tudo. Qualquer ideal, seja pacífico ou belicista, gentil ou egoista, pode ser propagado facilmente pela internet; mas nem por isso significa que qualquer ideal má intencionado poderá passar incólume. Aquele comentário preconceituoso que você fazia na sua roda de amigos e todos riam agora é visualizada por pessoas do mundo inteiro, inclusive pelos alvos de seu preconceito. Assim como também vítimas de uma mesma empresa em locais diferentes do país, que jamais se encontrariam para lutar contra o mal que sofreu, agora podem juntas tomar iniciativas juntas contra a infratora.

Talvez o papel da internet seja justamente acelerar o processo de descentralização das opiniões e do acesso a informação, resultando em uma sociedade mais justa, onde os direitos de todos são respeitados, e as ideias ruins serão aos poucos sufocadas pelo bom senso geral. É um processo gradativo e lento, mas está ocorrendo as poucos, sem dúvida. Mas e se surgisse uma figura para tentar acelerar ainda mais esse processo… através de meios mais críticos?

Yokokuhan

Em Yokokuhan, mangá publicado na recém-criada revista sem demografia Jump X, somos apresentados à mais nova tentativa de conter os efeitos negativos (pirataria, crimes virtuais) da internet no Japão: uma divisão de anti-cybercrime dentro da polícia. Essa divisão originalmente precisa lidar com crimes mais corriqueiros da internet, como o compartilhamento de músicas e jogos, para isso prendendo os “respeitados” uploaders que ganham muito dinheiro com a publicidade em seus sites super visitados.

Porém eles serão confrontados por uma figura vestindo um jornal sobre o rosto que posta vídeos no youtube de forma anônima, “prevendo” punições que serão sofridas por diversos causadores de alguma “infração”, e que normalmente sairiam impunes. Esse infratores são, por exemplo, aquele jovem que twittou que sua colega de faculdade mereceu ser estuprada, ou o adolescente que trabalhava em uma rede de lanches e colocava insetos no lanche dos clientes. E é desnecessário dizer que Paperboy (alcunha dada à figura) está fazendo suas previsões se tornarem verdade, fazendo justiça com suas próprias mãos e garantindo as severas punições que julga necessárias.

Engraçado perceber que as “vítimas” do Paperboy já estavam sofrendo algum tipo de punição por sua conduta, seja a demissão do emprego ou o constante ataque pessoal pela internet. Mas apenas isso não é o suficiente pra o justiceiro; aliás, não só para ele, como toda a opinião popular. O povo, de uma forma geral, clama pela “punição dos impunes”, e deseja no fundo de si uma punição severa.

Apelo Popular

Mayara Petrusso, nas eleições de 2010, publicou um tweet preconceituoso contra os nordestinos. Foi julgada e culpada pela justiça, perdeu o estágio e precisou se mudar da cidade onde morava, tamanha era a quantidade de ameaças e hostilidades que recebia. Há pouco mais de um ano, a enfermeira Camila de Moura foi filmada espancando e matando um cachorro. O compartilhamento desse vídeo causou uma enorme revolta nas redes sociais, ao ponto de divulgarem os dados pessoais dela como forma de motivar a hostilidade contra a mulher, que passou a receber constantes ameaças também e, obviamente, precisou mudar de cidade.

Punição de um “impune”

Aparentemente as diversas ameaças realizadas eram feitas apenas como forma de estravassar a raiva do povo descontente. Mas, e se tais ameaças fossem cumpridas? E se houvesse a personificação de uma figura que segue a voz da revolta da internet e dá movimento à inércia convencional? E se alguém espancasse a enfermeira, como uma “lição“? De uma coisa não tenho dúvidas: mesmo sendo um crime, não há dúvida que existiria o apoio popular, e ele não seria pequeno.

Essa ideia é a mesma proposta por Yokokuhan; enquanto a polícia recrimina as ações do Paperboy, a aceitação popular só cresce, justamente pelas ações serem uma reação ao inconsciente popular, que quer ver qualquer ação que eles julguem ruim ser punida severamente.

É difícil tentar explicar esse fenônemo que motiva as pessoas a agirem contra a lei em prol de um julgamento que sabem ser cruel e criminoso, mas desejam do fundo de seus corações. Talvez a maior razão pra aceitação seja o fato da punição estar sendo realizada sem que você, apoiador da ideia, precise fazer qualquer coisa. Seu desejo de justiça é realizado enquanto você apenas permanece sentado, apoia e compartilha a ideia e o link.

Anonymous e a preguiça virtual

Um deles está na rua agindo.

Muitos são os pontos em que Yokokuhan se mostra atual no que diz respeito ao comportamento atual do povo na internet. No principal deles está a caracterização do Paperboy como uma personificação da preguiça ativista, do “inconformismo acomodado“. A trunfo está na revolução proposta efetivamente dar certo, xingar no twitter ter sua função real. Totalmente diferente da proposta pelo grupo de hackers Anonymous, cujas ações (muitas vezes questionáveis e possivelmente ineficientes) se prendem somente ao mundo virtual, Paperboy migra a revolta da internet para o mundo real.

O mangá sem dúvidas surge no momento certo, com uma ideia muito moderna e que só poderia ser executada hoje em dia. Não é a primeira vez no mundo dos mangás que surgem “justiceiros saídos do povo“: Death Note e Akumetsu, por exemplo, já fizeram isso. Porém é a primeira vez que os justiceiros se apoiam de fato na população, e iniciam uma revolução que qualquer um pode fazer parte; qualquer um, inspirado pelo Paperboy, pode se tornar um Paperboy e fazer sua própria justiça que, mesmo sendo criminosa, possivelmente seria bem aceita pelos seus semelhantes.

É difícil definir se a principal ideia de Yokokuhan é apoiar a iniciativa popular de “tomar as rédeas”, ou é uma crítica à polícia/política atual. Independente de qual lado o autor queira tomar, o ato de levantar essa discussão, e de abordar um mundo tão próximo da nossa realidade atual já o coloca em posição de evidência, e torna sua obra uma leitura obrigatória para o mundo moderno.

Yokokuhan flerta com o nosso mundo integrado pela Internet sem se fazer parecer um desinformado no assunto e, por isso, acerta em cheio no tema e na abordagem. Sem dúvida, uma das melhores obras pra se acompanhar hoje em dia.

9 comentários

  1. Muito bom o texto. Me interessei muito pelo mangá, pena que não tem em português.
    Precioso aprender inglês

    • Mete a cara e tenta ir aprendendo inglês lendo mangá. No começo é difícil, mas é recompensadora a quantidade de obras que ficarão disponíveis pra você.

  2. achei a idei bem original, pelo menos nunca vi outro mangá que tratase desse tema ,mas prevejo um final tragico pra essa historia

  3. Post incrível! Não só pela escolha do mangá e do tema, muito bem escrito. A discussão é bastante interessante e o mangá parece muito boa. Toda essa ideia realista é muito interessante e isso possibilita até que surjam alguns Paperboys na nossa realidade. Seria incrível. Da internet para o mangá e dali para o nosso mundo. A lei não deve ser absoluta, foi feita por humanos que podem errar facilmente, até conscientemente e, por isso, deve ser questionada e até transposta quando necessário. Só senti falta de mais algumas opiniões “pessoais” mais fortes no post, mesmo que tenha ficado claro o lado que parece mais certo…

    • Obrigado pelo elogio.
      Sobre a opinião “pessoal”, eu acabo tentando me isentar disso nesses poucos posts “Rodapé”. Se fizesse algum tipo de resenha mais completa (coisa que até agora só fiz nos posts de temporada), aí acho que rolaria.
      Mas é algo a se pensar, com certeza.

  4. Mais um excelente post, estranho! Acompanho já de tempos o seu blog e te digo que não há lugar melhor pra se informar sobre mangás so que aqui. Parabéns pelo trabalho no blog e que esse continue da mesma forma que foi 2012: repleto de informações e post e saúde e sucesso a sua pessoa. Abraço.

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