Entendendo: Por que acompanhamos séries que serão canceladas?

Mangás CanceladosEm termos de Shonen, quem acompanha majoritariamente séries de revistas menores, como a Jump SQ, a Shonen Champion, e a Shonen Gangan, não sabe o que é esse sentimento. Leitores da Shonen Magazine (aliás, bendito são aqueles que lêem séries da Magazine) também não sabem. Mas leitores da Shonen Sunday e principalmente da Shonen Jump (foco deste post), sabem bem como é a sensação de uma série jovem, promissora e agradável ao seu gosto ser cancelada súbita e tristemente.

Na verdade, quando ocorre encerramento de uma série que gostamos, mesmo que seja com um final satisfatório, quase sempre sentimos uma forte melancolia, acompanhada de saudade e saudosismo. Mas quando a série é cancelada, adiciona-se um pouco de frustração e fúria, já que pontas soltas inevitavelmente ficarão para trás. Esse processo ocorre com uma frequência gritante na Shonen Jump, mas ainda assim, na próxima leva de estreias, nos martirizamos e lemos as novas séries. E por quê, se sabemos que a possibilidade de um destino trágico é grande?

Causa de muitos abortos
Causa de muitos abortos

Acredito que o grande motivo que nos leva a ler as séries novas (ou ver filmes diferentes, ou escutar novas bandas) é a busca extrema por coisas novas. O ser humano (e isso inclui os leitores de mangás, obviamente) possui uma força interna que o compele à coisas novas. Quem lê mangá está sempre ansiando por um novo título preferido, uma nova série que os faça ter bons momentos. Como o lugar com maior rotação de títulos novos, e onde surge os títulos mais famosos, é a Shonen Jump, é natural nos vincularmos a ela. E, quando começamos a conhecer mais os títulos da revista e interagir com outras pessoas que também acompanham, mais cresce a vontade de tentar acompanhar todas as estreias. Esse é um processo natural dentre as pessoas que entram nesse mundo.

Essa empolgação inicial de acompanhar tudo caracteriza-se por uma euforia enorme a cada estreia, uma ansiedade gigante nas semanas que antecedem a novidade, e no fanatismo de torcer para a sobrevivência de quase tudo o que a pessoa acompanha. Chamarei as pessoas que estão nessa fase de “iniciantes“. Como podem perceber, chamei de “fase” pois minha experiência de vida permite-me garantir que essa empolgação inevitavelmente vai passar.

Os motivos da queda da empolgação são vários, mas o maior deles é a quantidade de golpes de decepção que a revista lhe dá. O calejamento causado por sucessivos cancelamentos diminuem a motivação das pessoas, e existem apenas dois caminhos a se seguir: ou você abandona de vez as estreias (chamarei esses de “abortados“), ou você passa a encarar as estreias com outros olhos (chamarei esses de “realistas“).

Fuck this Jump shit, I'm outta here...
Fuck this Jump shit, I’m outta here…

Os abortados escolheram o caminho mais simples, e não os culpo; a tristeza de um cancelamento não é fácil, e não é pra qualquer um. Mas os realistas, esses sim, aprenderam com a experiência e agora encaram o mundo da Shonen Jump de outra maneira. Os realistas analisam as estreias friamente; eles sabem dos riscos, escolhem bem o que querem ler, e lêem apenas por curiosidade, com um olhar crítico. O realista aprendeu que, se não gostar da série nova, não a acompanhará, ou apenas acompanhará para ver se haverá melhora. Aprendeu também que, se gostar da série nova, não pode abracá-la com muita força, pois ela ainda é frágil e instável; nem sempre um bom começo representa um bom desenrolar e tampouco garante a sobrevivência.

Assim, o realista aprendeu que acompanhar novas estreias da Shonen Jump é só um jogo de azar: ele internamente aposta qual série acha que morre e qual sobrevive. E se uma série que o agradou foi cancelada, ele lamentará o desperdício de uma história boa, mas após isso irá apenas riscar a série de sua lista e aguardar uma próxima chance. E o realista fica feliz com o sucesso de uma série que torce, pois foi um expectador desse crescimento desde o princípio.

Tá, nem tudo era bom...
Tá, nem tudo era bom…

Mas o que determina o que o iniciante se tornará? Como saber se o iniciante virará um abortado ou um realista? Bom, na verdade são muitos fatores, mas o principal de todos é: o realista não leva a vida tão a sério. Quem leva tudo a ferro e fogo, leva tudo muito a sério, e se ofende facilmente, irá se irritar rapidamente com os cancelamentos, e jamais conseguirá entender toda a lógica por trás da Shonen Jump. E inevitavelmente virará um abortado. E nunca se dará ao prazer de ver uma curta série, com um final prematuro, porém com uma história marcante e que, embora nos chateie por sua pequena passagem, nos alegra por termos a honra de acompanhá-lo em “tempo real”.

Hoje, nas pessoas que eu vejo acompanhando lançamentos recentes da Shonen Jump, poderia dizer que 80% são iniciantes e 20% são realistas. E acredito ser uma proporção que se manterá para sempre, com os iniciantes virando abortados ou realistas, e novos iniciantes sempre surgindo. E dito isso, encerro com algumas frases direcionadas:

A você que é abortado: nem tudo está perdido! Você pode tentar relaxar mais, se importar menos, e deixar-se levar. Uma série cancelada quase sempre tem um final insatisfatório ou ruim, mas muitas séries não canceladas também tiveram finais não tão satisfatórios. Hokuto no Ken, Shaman King (os dois finais), Saint Seiya, Yu Yu Hakusho… O final abaixo do esperado não significa que a série como um todo é ruim. O mesmo pode acontecer com essas de curta duração. Dê uma chance.

A você, iniciante: seu momento de escolha chegará, com certeza. Se prepare cuidadosamente para esse dia.

E a você, realista, dedico o próximo post, que sairá amanhã! Fique no aguardo.

 

 

EDIT: Troquei alguns termos, pra mudar um pouco o tom do post.

12 comentários

  1. O primeiro mangá que li e foi cancelado foi Metallica Metalluca. Depois veio Sengoku Armors, SWOT, Hanasaka Ikkyu e outros (não nessa ordem).
    Depois que li esse post percebi que olhei as séries de outro ponto de vista assim que soube que iam/foram canceladas.

    Parabéns pelo post

  2. “Sábio”?
    Não era melhor dizer “realista”, ou “experiente”?
    Sinceramente, o self-praising excessivo desse artigo chegou a me fazer pensar neste vídeo:

    • “Sábio” causa mais impacto, acredito, por isso escolhi a palavra.
      E sobre o “self-praising”… bem, questão de opinião. Escrevi menos pensando em mim, e mais pensando em alguns conhecidos que encontram-se em estado semelhante ao descrito. Só posso lamentar se passou essa impressão.
      E claro que puxei a sardinha pro lado dos ditos “sábios”. Na verdade, o excesso de elogios e descrições são justamente para fazer parecer mais imponente do que de fato é.

  3. Filho, o fim de Hokuto no Ken é simplesmente a melhor parte de toda a obra. Coisa de mestre.

    Sobre o tema, não acompanho scans semanais. Isso pelo fato de que sinto mais prazer ao ler um volume inteiro de uma história, poder entrar nela e relaxar. Devo ser uma aberração no meio (leio mangá tem 12 anos). Acho q muita gnt da galera q vc chamou de “iniciante” são afobados, a galera q começa a ler pela net é muito frenetica,não consegue apreciar direito as obras, engole muito rapido… isso as vezes prejudica a compreensão de varios aspectos e intençoes das obras. talvez essa afobação seja a resposta da pergunta do titulo. Falei demais

  4. “Filho, o fim de Hokuto no Ken é simplesmente a melhor parte de toda a obra. Coisa de mestre.”

    Mas nunca foi e nunca será.
    Só não vou comentar aqui pra não gerar spoilers em excesso. Mas que o fim de Hokuto no Ken é uma coisa ruim, ah se é. E como é. E olha que essa obra é uma das minhas preferidas.

    E sobre os sábios, até é compreensível o termo.
    Afinal de contas, é mais sábio aquele que lê o mangá sabendo dos tais riscos e sendo “realista” do que fechar os olhos para uma série que está fadada ao fracasso e, mesmo assim, esperar demais dela pra depois se decepcionar forte…. e repetir tudo de novo com outra série que provavelmente será cancelada, também.
    Agora depende muito de como o leitor interpreta a palavra: Ela pode parecer tão normal, como também pode parecer a coisa mais impactante do mundo! lol

  5. Ruim é a parte que antecede o final, mas os ultimos capitulos e o desfecho envolvendo Kenshiro e Bart é demais, a parte seguinte (o finzinho mesmo) também. Na verdade ela reflete toda a obra. Isso cai no que disse no fim do meu comentario.
    Mas é a questão da opinião.

  6. Pois é, esqueci de mencionar a parte da opinião de cada um.
    E eu até entendi o desfecho da obra, os últimos capítulos terminou de um jeito até compreensível. Mas o fato da obra ter se estendido e criado algumas sagas muito ruins após o timeskip é que acabaram deixando a série ruim.
    Para muitos, Hokuto no Ken acabou em Raoh, já eu consigo até engolir a parte do Falco.

  7. Por que acompanhar uma série desde o seu começo sabendo que ela pode (e provavelmente vai) ser cancelada de uma hora para a outra, sem mais nem menos?
    Porque vale a pena “arriscar”.
    E o que se ganha para se “arriscar” dessa forma?
    Se a série for um sucesso, você vai ter acompanhado ela antes dela possivelmente “virar modinha”. É inegável que isso conta muito atualmente. Vale muito mais conhecer uma série famosa antes dela atingir a fama e ter acompanhado o desenvolvimento dela (isso é uma sensação bacana, não estou criticando. É legal ver alguém ou algo que apreciamos ganhando a notoriedade que merece) do que passar a gostar dela depois de tal sucesso ser consolidado, junto das “massas” (ou depois que a série já “é modinha”, como dizem muitos). As pessoas costumam pensar assim sobre tudo. Sobre artistas de diversas áreas, séries de TV, bandas, livros, e, por que não, sobre mangás também.
    O fator de termos uma maior rotatividade e, assim, termos mais chances de encontrarmos algo novo e legal que nos agrade, é válido, também. Mas não conseguimos encontrar algo bacana que nos agrade nas milhões de publicações que já existem? Por esse motivo que insisto em dizer que muitos pensam que conhecer algo antes dos outros é mais importante do que simplesmente conhecer algo. Síndrome do underground, do first… sei lá.
    Quanto aos termos usados no post… também achei o “sábio” apresentado no lugar do atual “realista” um tanto self-praising, e conhecendo o senhor Estranho pessoalmente, não poderia pensar diferente… hehehe! Mas, foda-se. A ideia certa foi passada. Eu não mudaria o texto. Na verdade, apenas lhe parabenizo, Estranho, por iniciar uma discussão tão válida, na minha opinião. Abraços e continue com o ótimo trabalho!

  8. Certo.
    Só para eu não ficar com jeito de barraqueiro, o resto do artigo está ok.
    Mas, se me permitem, eu quero dar a minha opinião sobre o assunto (bom, sessão de comentários são para isso, certo?).

    Quando foi mesmo que a leitura de quadrinhos japoneses foi adicionada como um dos possíveis usos da internet? 2005? 2006? Faz muito pouco tempo desde que o ocidente começou a acompanhar os almanaques de manga no ritmo de lançamento. Logo, é inevitável que os últimos 6 anos sejam vistos com certo diferencial por esse “público”.

    Já vi muita gente dizendo que o cancelamento de Double Arts tinha sido um dos maiores erros editoriais da Jump. Por mais que eu tenha gostado de Double Arts e adore os one-shots de Naoshi Komi, não posso concordar com isso.

    Dá para dizer que o cancelamento de Time Walker Rei, série de 1991 que durou 22 capítulos, foi um dos maiores erros editoriais da Jump? Eu não faço ideia. A série nunca foi publicada por scanlators. 1991 foi muito antes de a internet contribuir para a “globalização” do manga. Imagino que alguém tenha considerado que a série tinha potencial. Mas o autor, Yuki Hidaka, nunca mais publicou uma série na revista.

    Outro ponto de vista: A série “Cyborg Jiichan G” foi cancelada logo no seu ano de estreia, 1989. O autor conseguiu depois dar a volta por cima e ilustrou Hikaru no Go, Death Note, Bakuman e outros. Sim, Takeshi Obata teve sua primeira obra cancelada prematuramente. Cancelamentos, acima de tudo, servem para fazer o autor aprender com seus erros e tentar de novo. Vide o Nisekoi, que foi lançado semana passada.

    Um caso curioso: na época de Samurai X / Rurouni Kenshin, Nobuhiro Watsuki contou principalmente com quatro assistentes: Eiichiro Oda, que assim que publicou sua primeira série (One Piece) conseguiu um sucesso inigualado; Kentaro Yabuki, que tropeçou ao publicar Yamato Gensouki mas depois fez fama com Black Cat e To-Love-Ru; Hiroyuki Takei, que fez o cult Butsu Zone e o aclamado Shaman King; e por fim Mikio Itou, que já soma quatro séries canceladas prematuramente. Será que isso não pode ser considerado como uma das “tragédias” da Jump? Ou será que não, já que nenhuma dessas séries foi publicada por scanlators, mesmo a relativamente recente Nazo no Murasame-kun, de 2006?

    Mais um ponto de vista: a Shueisha perdeu em 1973 o autor Go Nagai para a Kodansha. A série Mazinger Z, que tinha começado na Shonen Jump, migrou para a TV Magazine e ficou fortemente associada à imagem da Kodansha, além de gerar um sem número de produtos licenciados e continuações. Não vou me estender muito porque conhecer Mazinger Z pelo menos superficialmente é obrigação. O cancelamento de Double Arts não parece mais ser um erro editorial grave, certo?

    É isso o que eu tenho a dizer. O “público” ocidental tem uma visão muito restrita da história da Jump (a imagem com Muddy, Ral Grad e Yotsuya -senpai que ilustra este artigo só confirma isso, sem ofensas a ninguém) e não deve se acomodar com isso. Um pouco de mudança de ponto de vista pode gerar opiniões interessantes. E, só para constar, onde está escrito “Naoshi Komi” e “Double Arts”, leia-se “qualquer autor de série cancelada recentemente” e a “a série cancelada recentemente desse autor”.

    • Só para justificar: o uso das imagens é justamente por ser algo mais próximo da nossa realidade, já que são séries que foram totalmente traduzidas e são fáceis de se encontrar. Poderia utilizar-se de qualquer uma das muitas séries que você recitou, mas provavelmente ninguém (talvez você, se sabe japonês e leu alguma delas, mas enfim) as reconheceria, não causando nenhum apelo ou fisgando alguma recordação dos leitores. Por outro lado, a chance de alguém ter lido Muddy (mesmo que péssimo) é infinitamente maior.
      Talvez a série mais antiga, curta e cancelada que fosse ter apelo semelhante é Chameleon Jail, desenhada pelo Inoue. Ela é de 89 (acho que a mais velha cancelada que eu já li da Shonen Jump) e tem scans, e por ser de um autor famoso, talvez tenha uma visibilidade maior, quem sabe.

      Sobre seus comentários relativos à séries esquecidas de períodos pré-scans, eu concordo; provavelmente há muita coisa boa que ficou perdida só no papel impresso e que nunca teremos a chance de ler. E acho uma pena.

      E relativo a “ter uma visão limitada da Shonen Jump”, ou sobre os “órfãos” de Double Arts, não entendi exatamente a relação direta com este post, uma vez que em nenhum momento citei períodos específicos (que não o presente) e tampouco a série Double Arts (que me agradou, mas estou longe de ser “órfão” dela). Talvez a impressão da “visão limitada” tenha sido causada pelas imagens escolhidas, mas delas já expliquei acima.
      De resto, me soou mais como um… desabafo, se é pra se chamar assim. E bom, se encaixa no tema “séries canceladas”, mas de forma bem mais ampla.

      Mas qualquer comentário centrado e bem redigido é bem vindo neste blog.

      • Não foi bem para vocês. XD
        Queria falar sobre séries canceladas e acabei falando sobre a visão que o leitor ocidental tem delas. Viagens acontecem.
        (Sim, demorei dez dias para ler o seu comentário.)

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